segunda-feira, maio 01, 2006

Organizações criminosas

EDITORIAL OESP

Haverá quem tenha ficado decepcionado e frustrado pelo fato de as primeiras condenações em Santo André, relacionadas com a tragédia que abateu o prefeito petista Celso Daniel, cruelmente assassinado após tortura, não implicarem qualquer sanção criminal, mas apenas uma suspensão de direitos políticos e proibição de contratação com o poder público por cinco anos. No entanto, essa sentença condenatória de primeira instância - proferida pelo juiz Yin Shin Long, da 7ª Vara Cível de Santo André -, que atingiu tanto Klinger Luiz de Oliveira Souza, que foi secretário de Serviços Municipais e de Transportes daquele município (na gestão Celso Daniel), quanto o empresário Ronam Maria Pinto, apontados pelo Ministério Público como dois dos cabeças de um amplo esquema de corrupção, destinado a abastecer o caixa 2 das campanhas eleitorais do PT, tem o mérito de ser a primeira admissão judicial do financiamento criminoso de campanhas, levado a efeito pelo partido.

Trata-se, sem dúvida, da puxada (judicial) de um novelo, onde houve o envolvimento de grande número de pessoas - assim como mortes até agora não explicadas. Atente-se para o detalhe da expressão utilizada pelo Ministério Público, quando se referiu à "organização criminosa estável" que teria assumido o controle de setores da prefeitura de Santo André, ao tempo de Celso Daniel. Não se assemelha àquela outra expressão, usada pelo procurador-geral da República, quando se referiu à "sofisticada organização criminosa" de que participavam os 40 indiciados apontados pelas CPIs ? Aí está o reconhecimento de uma corrupção institucionalizada, sistêmica, que levou ocupantes do Poder a revogar todos os escrúpulos para no Poder permanecer.

O juiz Long descreveu o modus operandi de uma falcatrua aparentemente singela, como é o caso da indevida dispensa do ritual licitatório, na contratação de obras públicas, tendo em vista o favorecimento de pessoas de relacionamento estreito (se não promíscuo) com administradores públicos. Mas essa descrição, apesar de apenas chegar à condenação por improbidade administrativa, serve para deixar sob foco todo um processo instalado pelo PT, primeiro nas prefeituras, há anos - e lembremo-nos de que as denúncias de Paulo de Tarso Venceslau já têm mais de uma década -, e depois na máquina pública federal, nela incluindo-se as estatais, como se evidenciou por tantos documentos e depoimentos prestados às CPIs.

É claro que permanece a expectativa, da sociedade brasileira, de que venham a ser esclarecidos com a maior profundidade muitos lances de um dos episódios mais escabrosos da história desta República, que em nenhuma democracia civilizada do mundo haveria de jazer em seus mistérios, sem julgamentos, condenações e punições. O assassinato de Celso Daniel - responsável pela coordenação do programa de governo do então candidato Lula -, as consistentes suspeitas de seus familiares e do Ministério Público, que jamais aceitaram a inverossímil versão policial do "crime comum", o laudo do perito Carlos Delmonte Pires - que concluíra ter sido Celso Daniel torturado, antes de morrer -, que apareceu morto, enquanto elaborava nova perícia, as denúncias da família Gabrilli, sobre as extorsões sofridas pelas empresas de ônibus, para contribuírem para o fundo eleitoral petista, estes são alguns componentes do vasto rol de temas contidos na tragédia de Santo André, eclodida em 18 de janeiro de 2002.

Ao contrário de Lula que até hoje nega ter sabido da existência da "sofisticada organização criminosa" denunciada pelo procurador da República, Celso Daniel, segundo declarações dos seus irmãos, era o chefe da "organização criminosa estável" formada para arrecadação de fundos para a campanha de Lula. O que ele não sabia era que os fundos arrecadados para esse fim estavam sendo desviados para os bolsos de membros da organização. Foi quando descobriu esse desvio, e quis acabar com ele, que foi assassinado.

Até agora, só o acusado de mandante do assassinato do ex-prefeito, seu ex-segurança Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, permaneceu preso em regime preventivo por 6 meses, em 2004, mas foi solto por decisão do Supremo Tribunal Federal. Espera-se que estas duas condenações sinalizem para o cumprimento, por parte da Justiça, de cobrança - ética, política, judicial - inegociável da sociedade brasileira.