Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, maio 25, 2006

Não mudará, já mudou



Artigo - CARLOS ALBERTO SARDENBERG
O Globo
25/5/2006

Não é de hoje que o presidente Lula demonstra essa habilidade de dizer uma coisa e fazer o contrário. Fez campanha prometendo mudar tudo, iniciou o governo denunciando a "herança maldita" recebida de FHC e não só manteve como reforçou a política econômica de seu antecessor.

Agora, o presidente mantém o mesmo esquema formal para fazer o movimento contrário: garante que a política econômica não vai mudar, enquanto, na prática, já mudou.

Pode-se verificar isso com números, mas a situação fica mais evidente observando-se os nomes dos novos condutores do Ministério da Fazenda. O ministro Guido Mantega passou todo seu tempo de oposição atacando o então ministro Pedro Malan. No governo Lula, como ministro do Planejamento e presidente do BNDES, diversas vezes entrou em rota de colisão com o então ministro Antonio Palocci.

Finalmente ministro da Fazenda, Mantega logo encontrou um jeito de reduzir o superávit primário das contas públicas para aumentar o gasto do governo federal, realizando assim uma antiga reivindicação de todos aqueles que — na administração e no PT — se opunham à gestão Palocci.

Apoiou com entusiasmo o aumento de contratações de funcionários, os reajustes de salários, referendou a elevação do salário mínimo, disse que a Previdência não precisava de mais reformas e apoiou as reivindicações de diversos setores empresariais que querem proteção e/ou dinheiro público. Garantiu que a política de câmbio flutuante não muda — fazendo eco a declarações do próprio Lula — e anunciou mudanças nas regras cambiais. São alterações formais, sem alteração na essência do sistema, ressalvou, mas dadas as circunstâncias, convém ver para crer.

Alguns resultados já estão à vista. No decreto orçamentário, o governo estima gastos de R$ 105 bilhões com pessoal, mas isso sem contar diversos reajustes já negociados pelo governo. Ou seja, já estourou. O déficit mensal da Previdência (INSS) vai aumentar 40% a partir de maio, com o novo salário mínimo e o reajuste das demais aposentadorias. Mas a previsão orçamentária continua estimando um resultado menor. Até aqui, o superávit primário, necessário para pagar juros e reduzir o endividamento público, está mais garantido no papel do que na prática.

Mas nada poderia ser mais exemplar do que a nomeação do economista Julio César Gomes de Almeida para a Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda. Almeida era diretor executivo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), organismo criado por empresários para defender uma política industrial com forte intervenção do Estado e que se dedicou meticulosamente a criticar o "modelo neoliberal" do período Malan/Palocci.

Exagero? Pois verifiquem a última Carta Iedi (www.iedi.org.br), divulgada dia 19, com uma entrevista do empresário Ivoncy Ioschpe, conselheiro da associação. Diz ele: "O atual modelo econômico (juros altos, câmbio valorizado e carga fiscal estratosférica) foi criado para combater a inflação, mas resultou numa política errada"; "a continuidade dessa política não é lógica porque não existe mais o processo inflacionário, apenas o mito de que ele tem que ser destruído"; "o atual governo provavelmente vai começar a forçar uma redução da taxa de juros o mais rápido possível, (pois) estamos em um ano eleitoral e isso faz sentido até para uma eventual eleição do próprio presidente"; "a atual política econômica é um processo que já está no final; esgarçou-se".

Basta ler qualquer relatório do Banco Central para se verificar que eles lá pensam exatamente o contrário. Na verdade, o único ponto de concordância está na avaliação de que o setor público arrecada demais e gasta demais. Fora isso, é só divergência.

Por exemplo: para o pessoal da linha Malan/Palocci/BC, a resposta para o real valorizado é uma forte abertura da economia, com redução geral de tarifas de modo a aumentar as importações; para Mantega/Almeida/Iedi, ao contrário, é preciso proteger boa parte da indústria local, de modo que não à abertura e sim a controles no câmbio e forte redução dos juros; para os primeiros, redução lenta dos juros para não permitir a volta da inflação; para os outros, redução forte dos juros, pois a inflação não é problema.

A menos que Mantega e Almeida estejam lá para fazer exatamente o contrário do que pensam, a coisa já mudou.

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