O GLOBO
A reação negativa da opinião pública à prisão do advogado Sérgio Wesley da Cunha, que, de maneira debochada, disse que se aprende malandragem com rapidez no Congresso, é um indício grave de deterioração de imagem de um poder político. Desde a famosa afirmação do então deputado constituinte Luiz Inácio Lula da Silva, de que existiam 300 picaretas entre os 551 deputados federais da Câmara, e lá se vão quase 20 anos, nunca se ouvira uma afirmação tão direta sobre nossos hábitos e costumes políticos, e logo vindo de quem: um advogado acusado de atuar como cúmplice de um bando criminoso. A origem da acusação, se no primeiro exemplo parecia virtuosa na ocasião, no caso do advogado deveria desqualificá-la.
Mas aconteceu o contrário. Basta ver as cartas de leitores nos jornais, de crítica aos deputados, e a repercussão pela internet do episódio para se ter a noção de que está tudo de cabeça virada no país. E o pior é que os dois lados têm razão. A atitude do presidente da CPI, deputado Moroni Torgan, não poderia ter sido outra diante do desacato, pois a afirmação do advogado — "A gente aprende rápido aqui" — é um desacato, mesmo que se considere que ele está com a razão.
Mas Torgan poderia também ter conduzido os trabalhos da CPI nos poupando do espalhafato que lhe é habitual, como se ainda atuasse como delegado da Polícia Federal, num claro jogo de cena eleitoreiro. Também o deputado Alberto Fraga, do PFL do Distrito Federal, coronel da Polícia Militar, todo escarrapachado na cadeira, de fala e modos rudes, poderia ter dispensado os telespectadores da TV Câmara do espetáculo de péssimo nível que a todo custo tentou protagonizar, para tirar proveito eleitoral da situação.
O deputado Arnaldo Faria de Sá deu margem ao desacato quando, com sua maneira ríspida de inquirir, se referiu ao aprendizado do advogado com a malandragem. Por outro lado, esse Sérgio Wesley que posa de vítima e se diz porta-voz do pensamento nacional sobre os políticos de maneira geral é acusado de ter subornado um funcionário da CPI para comprar um CD-ROM com depoimentos secretos de autoridades policiais paulistas.
Informações que teriam sido repassadas aos bandidos e, se não foram determinantes dos atos criminosos, pelo menos serviram para que a quadrilha se antecipasse à ação da polícia. O fato de ser advogado de Marcola, o chefe da quadrilha que apavorou São Paulo, por si só não o incrimina. Mas há evidentes indícios de que ele, e a advogada Maria Cristina Rachado, são mais que simples advogados da quadrilha, são cúmplices de seus crimes.
Por isso mesmo, o fato de a ofensa que fez ao Congresso Nacional ter o respaldo da opinião pública é um sintoma da crise de credibilidade que atinge todos os poderes da República, e coloca em risco a democracia brasileira. A postura de certos deputados e senadores durante as diversas CPIs só faz desmoralizar os políticos diante da opinião pública. A maioria é desinformada, só pede a palavra para marcar uma presença diante das câmeras de televisão, especialmente agora às vésperas das eleições.
Naquela mesma sessão da CPI do Tráfico de Armas, houve exemplos de deputados que sabem atuar com eficiência, rigor e educação. O deputado Raul Jungman, do PPS de Pernambuco, foi incisivo ao interrogar a advogada Maria Cristina Rachado, e conseguiu, sem grosserias, fazer com que ela caísse em contradição, provando que não estivera no Superior Tribunal de Justiça como afirmara desde o primeiro momento.
Bastou que o deputado usasse argumentos lógicos, o que é impossível para a maioria dos componentes daquele triste espetáculo, para demonstrar que a advogada não pegara o crachá para entrar no STJ, como afirmara. Também o deputado Carlos Sampaio, do PSDB de São Paulo, usou os conhecimentos de sua atuação como procurador de Justiça para interrogar de maneira cortante os acusados, sem nunca lhes faltar ao respeito.
Mas como é possível ter respeito por uma Câmara que absolve a maioria esmagadora dos envolvidos nos escândalos do mensalão? Como achar que um Poder que, por pusilanimidade, abre mão de investigar seus pares, como fez agora o Legislativo no caso dos envolvidos na Operação Sanguessuga — esquema ilegal de venda de ambulâncias para Prefeituras que contava com o apoio de diversos parlamentares, assessores legislativos e funcionários do Ministério da Saúde — pode investigar com seriedade as falcatruas de outros?
Como é possível levar a sério uma investigação quando quem interroga está acusado de diversos crimes, desde envolvimento em fraudes do INSS até compra de ambulâncias superfaturadas? Ou quando se sabe que o relator da CPI é o mesmo deputado que teve que abandonar a CPI dos Correios depois de descoberto fazendo um acordo escondido com o lobista Marcos Valério para incriminar adversários políticos?
Além do mais, já se assistiu a muitos desacatos nas diferentes CPIs que estão em andamento no Congresso. A começar pelo primeiro depoimento do ex-deputado Roberto Jefferson, cheio de acusações e insinuações contra diversos deputados e senadores, e passando pelos depoimentos dos envolvidos no escândalo do mensalão.
Até os mais recentes deles, o do ex- dirigente petista Silvio Pereira e o do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, exemplos acabados de deboche cínico que poderiam perfeitamente serem enquadrados na categoria de desacato. Mas não o foram, e nem os deputados acusados de envolvimento no mensalão foram punidos por seus pares. Existirá maior desacato à sociedade do que esse?