A idéia está minada por uma suspeita que só faria aumentar a ineficiência da máquina do Estado
A SUGESTÃO DE Lula à ministra Ellen Gracie Northfleet, do STF, e aos presidentes do Senado e da Câmara, para um plano de uniformização das carreiras no funcionalismo dos Três Poderes, é uma das tais iniciativas ótimas cujo resultado pode ir daí ao péssimo. A idéia, em si, promete a restituição do caótico serviço público à racionalidade, até em ponto além do que foi deixada pela extinção do Dasp criado por Getúlio. Mas, no caso atual, a idéia está minada por uma suspeita, que, a se confirmar, só faria aumentar a desordem e ineficiência da máquina administrativa do Estado. Além de previsível temporada de agitação.
Aceita de imediato, como seria de esperar, a proposta de Lula segue-se, porém, à campanha iniciada por sucessivas entrevistas de Tarso Genro, ministro das Relações Institucionais (sic), pela "redução drástica de despesas da União, com corte de salários, pensões e aposentadorias" e, como síntese, "remoção do conceito arcaico de direito adquirido". Roberto Campos redivivo. E relembrando palavras com que deu início, tão logo assumiu o Planejamento em seguida ao golpe de 64, à destruição do sistema geral de classificação de cargos e vencimentos. Ou seja, à degradação do serviço público. Levada ao extremo por Bresser Pereira com o terrorismo administrativo que, no governo de Fernando Henrique, fez dezenas de milhares de servidores preferirem a aposentadoria antecipada.
Desse modo, a "modernização" de Bresser aumentou brutalmente o gasto previdenciário com aposentadorias e obriga, até hoje, à admissão de funcionários e contratados para fechar rombos inadmissíveis em hospitais, universidades, na Receita e na Polícia Federal, por exemplo.
Sabe-se do preconceito do petismo sindicalista, criado e ainda encabeçado por Lula, em relação ao funcionalismo público, tido por esse ressentimento primário como uma classe de privilegiados (e logo entre os metalúrgicos paulistas é que tal concepção prosperou -embora não prosperasse tanto quanto os próprios metalúrgicos). Sabe-se que, acima de qualquer outro objetivo, a "redução drástica das despesas da União" (Tarso Genro ou Roberto Campos, tanto faz) é a prioridade absoluta do lulismo neoliberal. Logo, sabe-se o bastante para perceber que o risco de que a proposta ótima vise e leve a resultado péssimo, em prejuízo do que sobrevive de eficiente no serviço público, é grande e não se volta só contra os servidores do Judiciário, do Legislativo e do Executivo. A ameaça é a cada um e a todos no país, dependentes sofredores de um serviço público que já não está à altura do que custa a cada um e a todos no país.
Nenhuma nação gerou desenvolvimento real, em sentidos amplos, sem um serviço público organizado, racional e atrativo, como carreira, para pessoas capazes de fazê-la também em outros setores. A ditadura e os governos de Collor, de Fernando Henrique e de Lula adotaram políticas exatamente opostas para a administração pública.