Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, maio 25, 2006

Cheiro de amadorismo Por Liliana Pinheiro

PRIMEIRA LEITURA

Não é só o PT que reconta histórias passadas e presentes para torná-las mais convenientes e palatáveis. Muito mais gente anda se dedicando à arte. Dou alguns exemplos.

• A estarem certos colunistas políticos tarimbados de jornais e blogs, a onda agora é tucano dizer no bastidor que entrou com o time reserva na sucessão presidencial e guardou o principal para 2010. A razão seria a análise de que o presidente Lula seria imbatível em 2006. Então, vamos combinar: tudo o que foi publicado sobre os desconhecidos predicados de Geraldo Alckmin, como  espírito guerreiro e obstinação, quando da disputa com José Serra, teria sido deslavada mentira comprada pelo jornalismo. Na verdade, tudo não teria passado de encenação. Desculpem-me os colegas, mas essa nova versão da disputa interna tucana parece obedecer à lei do menor desgaste. Chega a ser infantil essa reação de parte do PSDB às pesquisas que trazem más notícias ao partido. Além de ser um desrespeito com os eleitores, em primeiro lugar, e com Alckmin. Sendo essa versão fantasiosa, verdadeira ou um pouco das duas coisas, a decisão informal de sacrificar o político que ajudou a segurar São Paulo em mãos tucanas nesses anos de forte expansão do petismo chega a explicar uma parte dos resultados das pesquisas. Gente assim perde. Perde feio.

Outra versão que anda por aí, em bocas de oposicionistas e petistas — quando convém, todo mundo fala a mesma língua —, é que o governo Lula está retomando o controle político do Congresso, como direito até a "rolo compressor" em CPIs. Sabemos que não é bem assim. O governo só consegue, hoje, fazer prevalecer seus interesses quando a oposição consente e garante, por ação ou omissão. É quando se processa o prodígio dos interesses comuns, como aconteceu nas votações para cassar mensaleiros de um e outro lado. É certo que a manada fisiológica não vê a hora de oficializar a migração para a candidatura Lula. Mas as relações institucionais de governo e oposição, a cargo do ministério comandado por Tarso Genro, nada têm produzido de novo na Câmara e no Senado. Também por isso se votam poucas matérias por aquelas bandas, apenas interessadas em partir para suas campanhas eleitorais. Rolo compressor? Contem outra piada sobre governabilidade. Há tantas no mercado político, tão mais interessantes...

• Por fim, uma delicada versão sobre os rumos da economia, porque sujeita a se confirmar conforme o bonde do mercado financeiro anda, mas por enquanto fantasiosa. Ela emana do próprio Planalto, a quem interessa uma transição gradual e sem barulheira de economistas e balbúrdia de operadores em ano eleitoral. A versão dá conta de que o presidente Lula não mudou em nada a política econômica depois da saída de Antonio Palocci da Fazenda e nem mudaria num segundo mandato. Já mudou o tom, sim. Passou a falar em mudanças cambiais, em gastos com investimentos, a chamar para mais perto do governo críticos contumazes da ortodoxia palocciana, como o próprio ministro da Fazenda, Guido Mantega, e Júlio Sérgio Gomes de Almeida, do Iedi, agora secretário de Política Econômica. Dentro da fantasia de que a política econômica seria imutável num eventual segundo mandato de Lula, há outra, a de que o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, jamais concordaria com uma alteração suave de rumos e deixaria o posto caso Lula fosse reeleito com essa proposta. Meirelles concordaria, sim, desde que fosse incluído no processo numa posição de destaque, e é exatamente essa amarração que está sendo providenciada, conforme relata com maestria a jornalista Rosângela Bittar, na sua coluna no jornal Valor Econômico. Ela está certa. Apenas faço a ressalva de que essa versão da imutabilidade da política econômica pode se transformar em realidade por causa da primeira crise externa que se avizinha em tempos de PT no poder. Caso o mundo financeiro siga conturbado — o que está longe de ser uma certeza —, uma volta ao paloccismo puro deve ser a opção do governo. Por enquanto, não é.

Juntando essas três versões, extrai-se, sem grande sofisticação, algum saber político do momento. Tucanos, em 2010, com o time titular ou reserva, podem enfrentar um Lula mais forte do que hoje e deveriam, portanto, pensar melhor antes de jogar a toalha neste 2006. Imaginar que a governabilidade de Lula estaria comprometida entre 2007 e 2010 é um exercício correto e pertinente. Mas eles também deveriam ficar atentos ao que acontece hoje: Lula já não tem governabilidade há um ano e segue feliz da vida, poderoso como nunca, sem precisar do Congresso para enraizar sua capacidade de influência. A estrutura paralela de poder que está sendo montada por meio do crédito consignado e do financiamento agrícola, que envolve entidades ligadas ao petismo como intermediários, é um capítulo dessa história. O Bolsa Família é outro. E assim, nessa toada, se escreve uma história longa, muito longa.

O PSDB parece imaginar que daqui a quatro anos as condições de tirar o PT do poder serão melhores ou, no mínimo, as mesmas de hoje. Isso lembra bem a tal estratégia de levar Lula "sangrando" para as eleições deste ano. Ou seja, lembra a absoluta falta de estratégia. Estarão eles sonhando com crises externas tão violentas quanto as que tocaram seu partido do Planalto? Aí ficaria pior ainda, porque teríamos de encarar que os tucanos abdicaram da política para gerenciar uma mesa de apostas para passar o tempo.

Seja lá o que for que move essa gente por caminhos tão absurdos, o fato é que há um inequívoco cheiro de amadorismo no ninho dos bicudos.

[liliana@primeiraleitura.com.br]
Publicado em 24 de maio de 2006.

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