sábado, abril 29, 2006

Melhor adiar a reforma

EDITORIAL DE O ESTADO DE S PAULO


Melhor adiar a reforma

O melhor que o governo poderá fazer em relação à reforma tributária, neste momento, será deixar o assunto para uma discussão mais séria e mais conseqüente, sem tentar a aprovação do projeto em tramitação no Congresso. O projeto é ruim, ficará pior com a nova mudança prometida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os poucos benefícios que dele poderiam resultar são custosos. Tentando garantir a aprovação, o presidente prometeu aos prefeitos apoiar sua reivindicação de uma fatia maior dos impostos federais.

Considerada isoladamente, essa alteração já é criticável, porque implica maior transferência de recursos federais para os municípios, sem que os encargos da União sejam reduzidos. O resultado será uma piora do quadro fiscal. Mas a promessa ainda torna mais evidente outro problema, para o qual se chama a atenção numa nota divulgada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI): a discussão está desfocada.

As negociações políticas sobre a reforma afastaram-se, há muito tempo, do que deveria ser o ponto essencial. É preciso montar um sistema funcional, que seja eficiente para o governo e ao mesmo tempo funcional para o sistema produtivo. A atual tributação onera excessivamente o sistema produtivo, dificulta o investimento e deixa a empresa brasileira em enorme desvantagem diante dos competidores internacionais. O sistema tributário brasileiro pode ter servido noutros tempos, apesar de defeituoso, mas é um trambolho para uma economia que tem de se integrar no mercado global.

A parte da reforma já aprovada é modestíssima. Da parte que falta, o principal é unificar a legislação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o mais importante tributo estadual. Essa mudança deveria simplificar o sistema e impedir a guerra fiscal entre Estados.

Mas o resultado mais provável, segundo a análise da Confederação Nacional da Indústria, será bem diferente. A nota destaca três problemas:

1) a carga tributária deverá aumentar. Será esse o resultado mais provável da unificação das alíquotas e dos ajustes que serão permitidos para um número limitado de itens. Além disso, a nova forma de recolhimento do ICMS deverá agravar o problema de acúmulo de créditos fiscais. Como é difícil a cobrança dos créditos, a carga tributária suportada por muitas empresas, na prática, é maior do que seria se o sistema funcionasse adequadamente. Essa distorção poderá agravar-se com a mudança;

2) o recolhimento antecipado elevará os custos financeiros das empresas;

3) o novo sistema será mais complicado e envolverá maior burocracia. Portanto, redundará em maior gasto de tempo e de recursos.

Técnicos de entidades da indústria e especialistas em assuntos tributários já apontaram esses defeitos do projeto muitas vezes. Mas a discussão não progrediu e suas observações não produziram conseqüências. O assunto ficou praticamente esquecido, por muito tempo, no Congresso e no Executivo. Mas o ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou há poucos dias que a conclusão da reforma tributária será prioridade do governo neste ano.

A primeira conseqüência dessa decisão surgiu no encontro recente do presidente Lula com representantes dos prefeitos. Eles pretendem que a participação dos municípios na receita do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados passe de 22,5% para 23,5%. O presidente prometeu apoiar essa pretensão, se eles pressionarem os congressistas para que aprovem o projeto da reforma rapidamente. Para satisfazer os prefeitos, será preciso mexer no texto em discussão no Congresso.

Do ponto de vista fiscal, é uma promessa irresponsável, que resultará em maiores gastos e em maior sangria do Tesouro Nacional. Mas, além disso, não vale a pena a aprovação do projeto, pelo conjunto de suas características.

É indispensável, para uma boa reforma, rediscutir a repartição da receita pública entre União, Estados e municípios. É fundamental, também, rever os mecanismos de transações interestaduais. Mas esse é um debate politicamente complexo, do qual fugiu o governo petista. O resto é conseqüência.