sábado, abril 29, 2006

Epitáfio para um partido

EDITORIAL DO ESTADO DE S PAULO

Epitáfio para um partido

I niciado ontem, o 13º Encontro Nacional do PT, o primeiro da era pós-mensalônica, está fadado a transcorrer sob o signo da repetição - e o que mais nele se repetirá será a farsa que a sigla e o seu líder máximo construíram para se desenroscar dos seus clamorosos atentados à ética. O "sentimento amplamente majoritário" na agremiação, diz o seu presidente Ricardo Berzoini, é o de mais uma vez varrer para debaixo do tapete a traição perpetrada pelo sistema petista de poder contra os valores que atraíram para o partido uma parcela expressiva da intelligentsia brasileira - e um número crescente de eleitores de todas as camadas sociais.

Hoje, muitos dos que apostaram no partido como estuário das esperanças por uma nova esquerda no País, desatrelada do Estado e liberta do "centralismo democrático" do velho Partidão, o PCB, não medem palavras para exprimir o seu desencanto. "O PT foi transformado numa formidável máquina burocrática, com interesses específicos. Ficou um partido igual aos outros", constata um dos seus fundadores, o sociólogo Francisco de Oliveira, em entrevista publicada ontem no Estado. "Eles não aprenderam nada. E, por esquecerem os erros, estão condenados a repeti-los. O segundo mandato de Lula, se houver, vai ser igual ao primeiro, ou pior."

Não se trata de esquecer erros, mas de insistir em ocultar delitos das vistas do eleitorado para preservar o que resta da credibilidade da legenda e, em qualquer hipótese, reeleger o presidente Lula. Debater os malfeitos do mensalão e apurar as responsabilidades de todos os citados no escândalo, como reivindicam os petistas que ainda subscrevem a natimorta tese da "refundação" do partido, é "uma agenda que não ajuda agora", diz Ricardo Berzoini. Nas suas palavras ao blogueiro Josias de Souza, "neste instante, a energia tem que ser concentrada na unidade partidária, na reeleição do Lula (...)". É aí que à farsa repetida da auto-absolvição pelo mensalismo se acrescenta outra.

O seu principal protagonista é o não candidato Luiz Inácio Lula da Silva. Nessa condição que raia a obscenidade - porque de há muito nada é mais ostensivo na política nacional do que a sua candidatura, a sua campanha deslavadamente ilegal e as suas articulações eleitorais -, ele participou da abertura do congresso petista. Antes, fez transmitir aos companheiros que ainda não perderam de todo a vergonha a exigência de carta branca para se coligar com o PTB, o PP e o PL, envolvidos com a "sofisticada operação criminosa" descrita pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza. Mas ninguém há de acreditar que algo constranja o grão-farsante do Planalto - principalmente depois que ele não hesitou em arvorar-se em "garoto-propaganda" das Casas Bahia.

Enganam-se, pois, os que imaginaram que ele se sentiu incomodado com o que ouviu na posse da nova presidente do STF, Ellen Gracie Northfleet, do mesmo procurador-geral: "Não há autoridade dotada de poderes ilimitados nem imune à devida fiscalização, controle e responsabilização", por "desvios na atividade pública". Dessa vez Lula não poderia invocar a santa ignorância com a qual cuidou invariavelmente de se proteger - até agora com êxito, reconheça-se - do contágio fatal do mensalão. Mas que lhe importa? A ele só interessa que a fantasia não se rasgue antes da eleição. Daí o seu diktat para que o PT mande às favas eventuais escrúpulos e jogue o jogo sucessório conforme as regras do chefe.

E assim será. Porque os dissidentes com alguma visibilidade perante a opinião pública, a exemplo da senadora Heloísa Helena, já saíram ou foram saídos, porque a sigla precisa de Lula para não minguar e porque, precavido, Lula se empenha também em engajar na campanha os chamados movimentos populares que dialogam com as bases petistas, completando assim a profana aliança que iria do PP ao MST. Só que nada isso detém o esgarçamento da imagem do partido, no bojo do seu acerto de contas com a Justiça. O Ministério Público paulista, que investiga a suspeita de desvio de R$ 4,7 milhões na gestão da prefeita Marta Suplicy, obteve a quebra dos sigilos de duas ONGs que lhe prestaram serviços.

Uma delas é o Instituto Florestan Fernandes. O filho do falecido professor, Florestan Fernandes Júnior, disse que a família não quer mais ver o nome do seu pai vinculado à entidade. "Pelos valores éticos que ele sempre defendeu", explicou, "não merece tudo isso". Difícil imaginar epitáfio mais apropriado para o PT.