quinta-feira, abril 27, 2006

Fugindo à razão



EDITORIAL
O Globo
27/4/2006

O tumulto que dominou a Câmara dos Deputados na terça-feira, quando se realizou a audiência pública para discutir o projeto que cria cotas raciais nas universidades, é muito sintomático do tratamento que a questão vem recebendo. Já em si profundamente questionável, a proposta — que, se aprovada, apenas tenderá a perpetuar as atuais e tão graves deficiências no ensino público fundamental e no médio — sequer está sendo debatida com a seriedade necessária.

Os grupos de pressão que querem aprovar as cotas a todo custo demonstraram, mais uma vez, que pretendem manter à distância qualquer discussão racional, recorrendo em seu lugar a palavras de ordem e à truculência contra seus opositores. Naturalmente, as toscas encenações e as vaias que marcaram a sessão na Câmara deixam claro que esse lobby sabe que o projeto dificilmente resistirá a um exame consistente. Tanto que tentou também fazer com que o projeto tramitasse em regime de urgência — como se a alteração nos critérios para admissão de estudantes nas universidades públicas configurasse solução para alguma situação de emergência. Longe disso: não há sentido algum na pressa, e na verdade seria melhor que o projeto não estivesse na pauta do Congresso neste ano eleitoral, em que propostas populistas e demagógicas se tornam tão tentadoras para alguns legisladores.

Está fora de discussão que é preciso fazer alguma coisa para ampliar as possibilidades de acesso das camadas mais pobres da população ao mercado de trabalho — e que a chave está precisamente na educação. Mas isso não pode significar o abandono da busca da excelência e o esvaziamento do critério do mérito no ensino superior. Pelo contrário, é urgente a criação de condições capazes de levar os alunos pobres do ensino básico a ingressar nas universidades em pé de igualdade com os mais privilegiados.

Adotar normas artificiais como o estabelecimento de cotas é uma saída fácil, simplista e equivocada de enfrentar o problema. O que seguramente ficará claro se o debate for amplo e exaustivo, como o tema merece. Mas isso, lamentavelmente, até agora os lobbies têm conseguido impedir.