FOLHA
Milhares de pessoas saíram às ruas nos EUA e na França. O sentido das manifestações é oposto. Há sinais de avanço em Los Angeles e outras cidades dos EUA. E falta perspectiva aos conservadores fantasiados de revolucionários em Paris. Entre Los Angeles e Paris, o Brasil deveria optar pela primeira. Infelizmente propostas recentes do Brasil, como a de cotas obrigatórias nas universidades, apontam para a segunda.
Os grupos que foram às ruas em Los Angeles, assim como em Chicago, Boston, Nova York e Washington, protestavam contra uma repressão desenfreada à imigração ilegal. Setores conservadores defendem a punição aos trabalhadores ilegais, quase 12 milhões de pessoas, cerca de 7% da força de trabalho dos EUA. A expulsão dessa gente equivaleria a abandonar a utopia de um dos pais da independência dos EUA, Thomas Jefferson, ou a noção de uma terra de oportunidades de um dos maiores admiradores da democracia americana, o historiador francês Alexis de Tocqueville.
A pressão das ruas contribuiu para que a Comissão de Justiça do Senado dos EUA aprovasse um projeto razoável para a imigração. Permite a legalização de trabalhadores ilegais mediante pagamento de multa e período probatório de trabalho. Cria assim um incentivo para o trabalhador deixar a ilegalidade e participar da economia formal. Além disso, prevê uma categoria de trabalhadores visitantes que adquire o direito temporário de trabalho. É uma alternativa mais segura do que o ingresso ilegal. A idéia é integrar, e não segregar.
Os milhares de pessoas que foram às ruas de Paris, Lyon e Marselha não lutam por alguma utopia. O alvo do protesto é o projeto do primeiro-ministro Villepin de programa de trabalho para jovens. A proposição diminui o custo de demissão dos trabalhadores jovens, permitindo dispensa sem justa causa nos primeiros dois anos de emprego. O projeto não é ideal, mas a direção da mudança parece correta.. Ações nesse sentido podem romper o círculo vicioso de um mercado de trabalho muito rígido e restrito a uma parcela da força de trabalho.
A taxa de desemprego na França está próxima a 10% e chega a mais de 20% para jovens e ainda a cerca de 40% para jovens de origem estrangeira.
Enquanto isso o elevado padrão de vida do país continua a atrair milhares de imigrantes que engrossam a fileira dos marginalizados pelo sistema. A falta de dinamismo da economia não é capaz de absorver parcela crescente da força de trabalho. A parcela organizada e empregada defende sistema anacrônico de benefícios sociais. A falta de oportunidades gera frustração em segmentos dos trabalhadores e aumenta a hostilidade contra os imigrantes. O preconceito e o racismo são manipulados pela extrema direita como pretexto para políticas ainda mais segregacionistas. A falta de perspectiva de ascensão social alimentam movimentos de quebra-quebra e de vandalismo gratuito sem utopia nem rumo.
O Brasil não deve ficar alheio a tais movimentos nos dois lados do Atlântico. O número de brasileiros emigrados é expressivo, algo em torno de 3 milhões, cerca de a 3% da força de trabalho nacional. Para os países em desenvolvimento, interessa a livre mobilidade de mão-de-obra pelo planeta, algo freqüentemente esquecido pelos manuais do Norte e pelos governantes do Sul.
As comunidades brasileiras no exterior têm impacto sobre o país. Projetam uma imagem nacional. Constituem postos avançados em mercados importantes, possíveis bases para expansão de serviços e exportação. A exemplo de outros países, as remessas dos residentes no exterior influenciam o balanço de pagamentos, representando cerca de US$ 3,58 bilhões anuais, uma soma maior do que a exportação de café (US$ 2,5 bilhões) e de carne bovina (US$ 2,4 bilhões).
Em uma economia globalizada, ninguém pode viver em uma ilha da fantasia, por mais encantadora que seja. A democracia de massas exige a tolerância com as diferenças e os canais de mobilidade social por meio do mérito e da premiação ao esforço e à capacidade de empreendimento. A economia globalizada impõe a obsessão pelo aumento da produtividade. O Brasil parece retroceder em ambos