sábado, abril 29, 2006

A disparada dos gastos oficiais

VEJA

Começou o ataque ao caixa

Em ano de eleição, o governo abre
o cofre e prioriza programas sociais,
que rendem voto junto aos pobres


Leandra Peres


Fábio Guimarães/Ag. O Globo
Uma farmácia do programa: 276 novos postos de venda

Nos últimos três anos, o governo Lula surpreendeu os críticos com uma política econômica que tinha o rigor fiscal como um dos princípios básicos. Graças aos bons resultados na economia, e apesar do mergulho na lama do bando dos 40, o governo manteve os altos índices de popularidade. Agora, ao que parece, resolveu inverter essa lógica. Na semana passada, o Tesouro Nacional divulgou um dado preocupante: nos três primeiros meses de 2006, os gastos do governo cresceram 14,5% em relação ao mesmo período do ano passado. Em moeda sonante, isso significa que saíram dos cofres públicos até agora 11 bilhões de reais a mais. É dinheiro destinado, entre outras coisas, ao pagamento de aumentos salariais de servidores públicos, à contratação de novos funcionários e aos programas sociais, como o Bolsa Família. Está ficando cada vez mais claro que, em ano eleitoral, o governo vai usar os bons resultados da economia para fazer política. Com o cofre escancarado, vários programas de apelo social e dispendiosos devem ser anunciados nos próximos dias. O pacote, em tese, ajudaria Lula eleitoralmente – mas isso, por enquanto, é só uma hipótese, já que o presidente garante que ainda nem sabe se será candidato à reeleição.

A movimentação político-eleitoreira sobre o Erário tem acontecido em vários flancos. Na semana passada, mais de 2 000 prefeitos estiveram em Brasília para reivindicar mais verbas para a educação. Levaram. Ao contrário do que ocorreu em outras ocasiões, os prefeitos saíram da capital satisfeitos. Em solenidade no Palácio do Planalto, Lula encarregou seu ministro de Relações Institucionais, Tarso Genro, de anunciar um aumento de 250 milhões de reais nas verbas da merenda escolar. Desde 2003, o governo já vinha reajustando o valor per capita da merenda. Neste ano, porém, o índice de reajuste foi 22% maior que no ano passado. O governo também incluiu no pacote, para agradar aos prefeitos, 300 milhões em financiamentos para a compra de máquinas. A principal medida, porém, foi o anúncio de um projeto de lei que aumenta o Fundo de Participação dos Municípios. Se ele for aprovado, os prefeitos contarão com mais 1,4 bilhão de reais no orçamento de suas cidades. O Ministério da Fazenda, até o ano passado, era terminantemente contra o aumento do repasse. O que mudou? Além do ministro, o calendário. Lula deu ordem a seus auxiliares para priorizarem ações de alcance popular. E prometeu que dinheiro não vai faltar.

Marcelo Fernandes/AE
Famílias pobres vão receber doações de até 14 000 reais para a compra da casa própria


No Ministério da Saúde, o programa Farmácia Popular, que existe desde os primórdios do governo, só agora vai sair do papel. Era uma promessa de campanha, mas o governo, em três anos, instalou apenas 134 postos que vendem medicamentos para doenças como hipertensão e diabetes até 90% mais baratos que nas drogarias comuns. Neste ano, está prevista a inauguração de 276 farmácias populares, o dobro do que foi feito nos três anos anteriores. O Ministério da Saúde explica que o ritmo de implementação do programa, ao contrário do que se possa imaginar, não foi influenciado pelo ano eleitoral. A culpa é da burocracia, já que o Farmácia Popular, embora federal, precisa contar com a parceria das prefeituras, que cedem o local onde os postos são instalados. No Ministério do Desenvolvimento Social, além do Bolsa Família, está sendo ampliado outro programa de apelo social: os chamados restaurantes populares. Sucesso na cartilha de governantes desbragadamente populistas como Anthony Garotinho, no Rio de Janeiro, e Joaquim Roriz, no Distrito Federal, os restaurantes populares vendem uma refeição por apenas 1 real. Hoje, há dez estabelecimentos federais. O governo vai inaugurar mais trinta. O orçamento do Ministério do Desenvolvimento Social também reservou três vezes mais dinheiro do que no ano passado para o Banco de Alimentos, um programa que processa alimentos perecíveis que de outro modo iriam para o lixo e os distribui às famílias carentes.

O pacote de bondades tem um braço importante na área de habitação. O governo, através do Ministério das Cidades, reservou 1,3 bilhão de reais que, neste ano, serão doados às famílias pobres, de modo que possam comprar a casa própria. Cada família com renda máxima de um salário mínimo poderá ganhar até 14 000 reais. Para as famílias que recebem até 740 reais por mês e moram em palafitas ou favelas, há mais 1 bilhão de reais. A estimativa é que 207 000 famílias sem recursos devem se beneficiar apenas com esses dois programas. É ótimo que, num país pobre e com um enorme déficit habitacional, o governo tenha tanta sensibilidade com os desvalidos – pena que a generosidade só se amplie em ano eleitoral. Além da política social, Lula tem cobrado de seus ministros a elaboração de uma intensa agenda de viagens e inaugurações até junho, data-limite para o anúncio das candidaturas à Presidência. Lula anda empolgado. Na semana passada, recebeu duas pesquisas para consumo interno. Apesar da avalanche de denúncias de corrupção no governo, em ambas ele aparece com mais que o dobro das intenções de voto de Geraldo Alckmin, o que lhe daria a vitória no primeiro turno – caso, claro, ele decida ser candidato.