FOLHA
SÃO PAULO- Incrível país é o Brasil: consegue ter apartheid até na terra, a Bahia, em que a maioria da população é negra ou mulata, as vítimas preferenciais do apartheid.
Para quem não acompanhou, a denúncia foi feita pelo compositor Carlinhos Brown, que, cansado de ver as brigas, reclamou diretamente com o também músico (e ministro) Gilberto Gil. O apartheid, no caso, funcionaria assim: quem tem dinheiro compra o abadá, a vestimenta que dá direito a entrar numa determinada área. Quem não tem, fica espremido no meio da massa, o que seria a origem das brigas e tumultos, que irritaram não apenas Brown mas também a cantora Daniela Mercury.
Aliás, não fosse pelas intervenções de Brown e Daniela, o apartheid baiano, festivo, mas sempre apartheid, ficaria nas sombras, porque o olhar da mídia se concentra no carnaval do Rio e, em bem menor escala, no de São Paulo, não por acaso os dois grandes mercados do país.
Na prática, o apartheid festivo reproduz o que Gil chamou de "apartheid institucional", presente em várias outras geografias e setores. Exemplo claro: a educação pública. Enquanto o acesso à escola pública estava restrito, para todos os efeitos práticos, à classe média (e aos ricos, se assim o desejassem), funcionava maravilhosamente.
Na medida em que se deu a expansão para os mais pobres (necessária, desejável, elogiável, é bom que se diga), não vieram juntos o aparelhamento e os recursos necessários para manter a qualidade do ensino. A classe média foi se afastando e a degradação se instalou, até agora irremediavelmente.
No carnaval baiano, é um pouco assim: à medida que a classe média (e alguns ricos) vão aumentando sua presença, vai-se criando cordão de isolamento para manter o andar de baixo à margem.
O apartheid na folia gera apenas brigas; o apartheid institucional é um dos pais (embora não seja o único) da criminalidade.