FOLHA
Hoje a questão política central é saber quem será o candidato do PSDB à Presidência. Dois candidatos com indiscutíveis qualidades pessoais disputam o apoio do partido, que não sabe como decidir por falta de mecanismos adequados de consulta. Pelo noticiário dos jornais, José Serra é o preferido pela direção porque, nas pesquisas, apresenta uma probabilidade consideravelmente maior de vencer do que Geraldo Alckmin. Os partidários do governador, entretanto, listam uma série de argumentos que indicariam que ele teria melhor desempenho nas eleições presidenciais do que o prefeito paulistano.
Será, entretanto, razoável que se resolva uma questão dessas com base apenas na probabilidade que o candidato tenha de se eleger? Ainda que esse critério seja legítimo, não é o único. Um segundo critério, que também é importante, é o da capacidade administrativa e política, mas nesse campo os dois candidatos já deram provas mais do que suficientes de sua competência.
Existe, porém, um terceiro critério: o das propostas. A política é a arte de alcançar maiorias e governar. Em um regime democrático, as maiorias são obtidas por meio do apoio popular que os partidos políticos recebem para suas propostas de governo. Propostas gerais, mas não vagas. Sabemos que o PSDB é um partido de centro-esquerda, mas isso não basta para a escolha do candidato.
O problema principal é o da recuperação da estabilidade perdida em 1980. Trata-se de saber como alcançar a verdadeira estabilidade macroeconômica, que, além de inflação sob controle, implica juros moderados, câmbio competitivo e estável e razoável pleno emprego. Nesse ponto, o partido -ou, pelo menos, sua cúpula- está dividido. Não estava em 1994, quando logrou debelar a alta inflação. Naquela época, a estratégia de neutralizar a inércia inflacionária unia todo o partido. Desde então, porém, dividiu-se, dado o fato de que o grupo de economistas no poder revelou-se incapaz, senão desinteressado, de resolver o problema da alta taxa de juros e da baixa taxa de câmbio, que inviabiliza a retomada do desenvolvimento.
A divisão do partido ficou clara na recente reunião que sua direção realizou em conjunto com os empresários do Iedi. Dos quatro economistas convidados, dois são críticos da política econômica atual, e dois, favoráveis -economistas ligados à PUC do Rio de Janeiro, que, de uma forma ou de outra, está no poder desde 1994. Em 1994, eles foram os principais executores da política que neutralizou a inércia -uma política cuja teoria foi formulada no início dos anos 80 não apenas por eles mas também por economistas da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. Desde que o PSDB foi fundado, em 1988, os economistas da PUC do Rio e os de São Paulo que participaram da formulação dessa teoria e das respectivas políticas estavam no mesmo barco. A partir de 1995, porém, os economistas da PUC do Rio são os principais responsáveis e defensores da política que o Ministério da Fazenda e o Banco Central vêm realizando, enquanto os de São Paulo tornaram-se seus críticos. Os economistas da PUC do Rio podem fazer críticas aqui e ali, mas são sempre críticas cosméticas. Segundo eles, a alta taxa de juros está aí para ficar por tempo indefinido, já que suas causas seriam institucionais, só superáveis no longo prazo, e a taxa de câmbio deve continuar sem administração, por conta do mercado.
A colunista do "Valor" Maria Cristina Fernandes percebeu a divisão e comentou (edição de sexta-feira): "Na guerra tucana não apenas falta o árbitro como, quem quer que seja o escolhido, terá que apresentar alternativas não apenas ao atual governo quanto aos oito anos em que o partido esteve no poder. Pela intervenção que fez no evento, Serra não deixou dúvidas de que tomará partido dos insatisfeitos com a atual condução da política econômica. Alckmin entrou mudo e saiu calado do seminário, mas, se o colégio eleitoral tucano estivesse circunscrito à Casa das Garças, centro de estudos onde pontificam os economistas da PUC do Rio, ele provavelmente já estaria ungido candidato". Terão razão esses economistas em pensar assim em relação ao governador? Tenho minhas dúvidas, mas está na hora de sabermos.
Não creio que seja possível saber agora qual é a posição do PSDB em relação à política econômica, mas a posição dos candidatos é mais do que razoável que conheçamos. Já sabemos qual será a posição de Lula: enquanto faz desbragado discurso populista e pratica um não menos evidente populismo cambial, mantém a taxa de juros em nível estratosférico para mostrar que é "confiável". O PSDB, porém, só ganhará as eleições se, além de criticar essa política, for capaz de mostrar que, ao contrário do que afirma a ortodoxia convencional -sempre pronta a afirmar o caminho único e a desclassificar os que dela discordam como "atrasados"-, existe uma alternativa prudente e digna de crédito e que essa alternativa faz parte de um projeto nacional mais amplo de retomada do desenvolvimento.