quinta-feira, fevereiro 23, 2006

O cartel do governo CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O GLOBO


O governo intervem no mercado para reduzir o preço do álcool e termina por aumentar a gasolina. No final da história, os dois preços estão mais caros pela razão mais simples: o consumo de álcool, açúcar e petróleo está em alta no mundo todo.

Isso é boa notícia. Significa que a economia mundial cresce com vigor. E muito especialmente para o Brasil, as notícias são sensacionais. Os usineiros modernizaram sua produção, livraram-se da dependência do governo e dominaram o mercado internacional de açúcar, entregando mercadoria de qualidade ao menor preço.

A tecnologia local que produziu o carro flex é outro sucesso mundial, que já aumentou o consumo local de álcool e, obviamente, aumenta o potencial de demanda pelos demais países. O Brasil poderá exportar o carro, a tecnologia e o combustível.

Ao mesmo tempo, o governo brasileiro está ganhando a batalha diplomática pela redução dos subsídios e da proteção que a União Européia concede a seus produtores de açúcar. O que, de novo, aumentará o mercado global para os usineiros brasileiros.

Difícil encontrar um exemplo tão acabado de globalização eficiente em ambiente de mercado livre.

Nessas situações, preços caem e sobem. Ainda mais que se trata de agricultura, com seus períodos de safra e entressafra. Mas como combustível em alta tem impacto eleitoral negativo, vem o governo e promove um descarado cartel. Chama a Única, entidade que reúne os principais usineiros, e combina um preço para o litro de álcool.

A combinação, no caso, é para baixar, supostamente a favor do povo. Mas continua sendo cartel oficializado. Como o governo poderá reclamar quando os usineiros combinarem entre si um preço mais alto, com o nobre propósito, digamos, de evitar desemprego no setor?

Tentou-se utilizar um instrumento de segunda, controles governamentais, sobre um mercado de primeira. Não podia dar certo.

Certamente há coisas a fazer, embora não para tentar garantir álcool combustível a preço de banana. É possível evitar volatilidade exagerada com instrumentos de mercado na também eficiente e globalizada Bolsa de Mercadorias & Futuros.

A parte do governo é óbvia: a redução de impostos, tanto os internos quanto os de importação. A eliminação e/ou redução de Cide e ICMS derrubaria imediatamente os preços na bomba. A importação livre tem o objetivo de aumentar a competição, mas, para falar a verdade, de efeito duvidoso no caso. Afinal, o Brasil é o maior exportador e os preços lá fora é que estão em alta. De todo modo, um mercado mais aberto e livre estimularia a única solução para equilibrar as coisas: o aumento da produção.

Tudo considerado, eis o resumo da ópera: não se pode querer mercado global para alavancar um setor da economia e, depois, tentar controlar esse mesmo mercado para derrubar preço em ano de eleição.

Outra lição é admitir que, em economia, como na vida, tudo tem verso e reverso. Combustíveis estão caros porque o consumo cresce no mundo todo — uma boa coisa — e a produção não acompanha — um problema. Os investimentos demoram a gerar efeitos e, além disso, há restrições políticas por toda parte, especialmente com petróleo.

Também há restrições ambientais, impostas pelos governos no mundo todo, com ampla aceitação. Tudo bem, mas tem um custo. Menos produção — porque não se pode tirar petróleo de vários sítios, por exemplo — e gastos maiores com os cuidados ambientais elevam os preços globais.

Aqui, o necessário aumento da área de plantação de cana coloca problemas — e gastos — ambientais. E sociais. A queima da cana, que facilita a operação de corte, é poluente. O trabalho de cortar a cana é penoso. A mecanização resolve os dois problemas: não se queima mais nada e os trabalhadores operam máquinas modernas, em cabines que podem ter ar-condicionado. Só que uma máquina colheitadeira, funcionando 24 horas, desemprega mais de 40 cortadores.

A escolha é sempre difícil. É sempre melhor, porém, em vez de tentar barrar as forças do mercado, deixá-las funcionar pelo bom motivo de que geram riqueza e empregos. Mas é preciso cuidar, aí sim, com ações públicas, dos que são alijados. No caso, por exemplo, uma política de retreinamento e recolocação dos cortadores.

Quanto aos combustíveis, pelo menos os que temos aí, é preciso admitir o fato da vida: são caros.