FOLHA
Em 21 de dezembro de 2003, em entrevista a Kennedy Alencar, da Folha, o ministro da Fazenda assim falou, para justificar um crescimento de apenas 0,54% do PIB: "É melhor um esforço como esse, mais concentrado, e abrir um período de crescimento mais duradouro, do que fazer uma outra opção, com ajuste mais leve por um período maior". Informava o distinto público de que o benefício de uma política monetária desvairada -que poderia ter sido amainada a partir de abril- seria o crescimento sustentado a partir dali.
Quinze dias antes, sobre o mesmo tema assim falou Henrique Meirelles, presidente do Banco Central: "Juros altos são coisa do passado". Anunciou que o país estava começando a ingressar na terceira etapa, a do aumento do crescimento potencial da economia, seja lá o que isso for. A primeira etapa foi a do ajuste e da desinflação da economia, "a saída da crise". A segunda, a da retomada do crescimento ("já estamos nela"). E a terceira, a do aumento potencial do crescimento. "O crescimento vai se dar de uma forma que possa ser prolongado por muitos anos, e isso, sim, vai gerar os empregos necessários."
No dia 19 de dezembro de 2003, o mesmo Meirelles, olhando a história do alto do 0,54% de crescimento, assim profetizou: "2004 vai marcar o início de uma série histórica de crescimento no Brasil". "Pode cobrar", garantiu. "As condições para a retomada do crescimento já estão dadas."
Meirelles defendeu a política econômica, dizendo que medidas como a alta dos juros eram necessárias para superar a crise vivida desde o final de 2002. "No momento em que a economia estava vivendo uma crise daquela dimensão e daquela magnitude, foi o Banco Central, junto com outras esferas do governo, que teve que adotar medidas difíceis", disse.
Houve uma breve interrupção na estagnação com o PIB de 2004. "Pode cobrar", desafiou Meirelles. A hora de cobrar foi em 7 de dezembro de 2005, com as previsões de crescimento do PIB despencando de quase 4% para 2,3%. Cobrado, assim reagiu: "O abandono casuístico de objetivos anunciados ao primeiro sinal de efeitos sobre a atividade e sobre o custo da dívida pública pode sempre parecer conveniente sob o imediatismo da análise de curtíssimo prazo, mas é precisamente desse abandono que se alimentam as desconfianças dos agentes privados em relação à estabilidade e à previsibilidade da inflação". Ou seja, a culpa não é dos erros da política econômica, mas de quem ousa apontá-los.
O "primeiro sinal de efeitos sobre a atividade" significa: média de 2,58% de crescimento ao ano nos três anos de governo Lula, segundo pior crescimento dentre os países do continente, tudo isso em uma quadra da história em que o mundo inteiro experimenta índices inéditos de crescimento.
Adota-se uma política errada na dosagem, erro admitido quase unanimemente pelo mercado, e recorre-se ao mesmo arsenal retórico de tempos imemoriais ou, para quem quiser se recordar, do primeiro governo FHC. Primeiro, trata-se de recriar expectativas sucessivas. Começa o ano com previsões estrondosas de crescimento. Quando vai chegando ao final, afirma-se -como fez Meirelles na semana passada- que o ano foi de plantio, que a colheita será no próximo.
Depois, se atribuem os problemas a quem aponta os erros, porque tira a confiança do mercado na política econômica, como se, fechando os olhos ao errado, certo ele então se tornasse.
Monta-se todo um enorme sacrifício e não se conseguirá que o dólar caia abaixo de R$ 2,00, uma loucura que, agora, começa a aparecer nas estatísticas da balança comercial. Na política econômica, desastres levam tempo para se concretizar. Quando o câmbio tornou as exportações gravosas, o superávit se manteve devido aos produtos primários e aos contratos de longo prazo das multinacionais.
Mas, até um minuto antes do iceberg, esse Titanic continuará com o som uníssono da banda da planilha. E não é um padrão inventado neste governo. Como dizia em 1998 o grande Maílson da Nóbrega, para justificar a piora sucessiva dos indicadores: "É assim mesmo: primeiro precisa piorar para depois melhorar".