Um dos piores vícios da política brasileira consiste em desfazer as boas obras de antecessores de partidos rivais para evitar que eles recebam o devido crédito. Com isso, iniciativas que vinham dando certo são revogadas ou relegadas à condição de última prioridade, até que morram de "morte natural".
Há motivos para recear que esse perverso fenômeno esteja se repetindo na decisão do Ministério da Saúde de acabar com os mutirões de cirurgia, projeto implantado quando José Serra (PSDB) dirigia a pasta. O nome de Serra é um dos mais cotados pelos tucanos para disputar a Presidência com Luiz Inácio Lula da Silva.
Desde 1999, sob a égide dos mutirões -nos quais, devido a um esforço concentrado, grande número de operações é feito num período relativamente curto de tempo- foram realizadas em todo o país 3 milhões de cirurgias de catarata, retinopatia diabética, varizes e próstata. O programa é considerado um sucesso por médicos e especialistas.
Filosoficamente, o ministério tem razão. A população deve ser atendida sempre e não apenas em ocasiões especiais e dependendo da patologia. A medicina não deve ser realizada por meio de "feirões da saúde", mas em bases permanentes.
Mesmo assim, mutirões podem ser uma abordagem interessante nas situações em que é grande o estoque de pacientes e em que a concentração dos procedimentos permite ganhos de escala, como é o caso principalmente da cirurgia de catarata.
Seria precipitado condenar as autoridades sanitárias por tentar desenvolver a medicina pública em bases mais estáveis. Ainda assim parece no mínimo imprudente trocar um programa que vai dando certo por uma incógnita. O ministério será cobrado pelos resultados de sua decisão. Quando se considera, porém, que a escolha pode ter sido determinada por razões eleitorais, fica a sensação de que a saúde do cidadão -o que realmente importa- foi deixada em segundo plano.