sexta-feira, janeiro 27, 2006

O câncer da corrupção João Mellão Neto

OESP


A corrupção incomoda, e muito. Segundo pesquisa da consultoria PriceWaterHouse, divulgada pela Folha de S.Paulo, a corrupção é considerada um enorme desafio para nada menos que 79% dos empresários brasileiros. O levantamento, feito com empresários do mundo inteiro, revela que, no Brasil e na Rússia, as práticas corruptas são a maior preocupação dos empresários locais.

Corrupção não é novidade no Brasil. Ela sempre foi um fator que devia ser levado em conta pelos homens de negócio ao decidirem suas opções de investimento. Era apenas um custo a mais, um pedágio desagradável, porém necessário para fazer rodar as pesadas engrenagens da economia, em especial as do Estado. Por que só agora ela está atormentando os chefes de empresas?

Já discutimos aqui, neste Espaço Aberto, há menos de um mês, a relevância econômica do conceito de "custos de transação". Para quem não se recorda, estes custos representam tudo o que despende uma empresa, ou um indivíduo, quando se relaciona com o mercado. Os empreendedores vão ao mercado em busca de matérias-primas, mão-de-obra, máquinas e equipamentos, crédito e demais insumos da produção. Na outra ponta eles vendem seus produtos ou serviços, o que implica novamente custos de transação, tais como distribuição, pontos de venda, publicidade, clientela confiável e riscos de não-pagamento por parte dela. Segundo Ronald Coase, Prêmio Nobel de Economia de 1991, uma economia é mais eficiente quanto menores forem os seus custos transacionais. Para se ter uma idéia da relevância da questão basta lembrar que os custos de transação, nos EUA, consomem cerca de 40% do seu produto interno bruto (PIB). É de supor que em países como o Brasil, onde as instituições e os mecanismos do mercado são menos evoluídos, tais custos alcancem proporções muito maiores.

Pois bem, a corrupção, quando disseminada, representa um imenso e intolerável custo de transação. Ela corrói os mais preciosos fundamentos do mercado, uma vez que os vencedores, na livre concorrência, nem sempre são os que produzem melhor com o menor preço, mas sim aqueles que, por intermédio de relações escusas com o Estado, logram obter vantagens que não teriam se tudo se desse dentro da maior honestidade e transparência. Não vencem os melhores, mas sim os mais bem relacionados, os mais "espertos" e os mais inescrupulosos.

Os custos da corrupção não se resumem ao montante que é malversado em cada negociata. Se as coisas se dessem assim, eles se resumiriam a uma porcentagem pouco relevante em relação ao total do PIB de uma nação. O problema é que a corrupção tem comportamento cancerígeno. É auto-replicante. O efeito-demonstração que ela acarreta acaba por comprometer a saúde de todo o corpo social. O mercado, para funcionar de modo eficiente, tem de, forçosamente, se lastrear na confiança, na previsibilidade e na boa-fé das partes. Introduza-se, nesse organismo, o vírus da corrupção e, de repente, tudo isso fica comprometido.

No mundo globalizado, em especial, esse câncer é fatal. As finanças de uma nação dependem, em grande parte, do aporte de recursos estrangeiros. Estes investimentos não provêm apenas de grandes empresas. A esmagadora maioria desses capitais é oriunda da poupança de milhões de pequenos investidores que, por meio de fundos especializados ou por conta própria, optam por aplicar suas economias no exterior. Se, por qualquer razão, ocorre uma crise de confiança em determinado país, quem, em sã consciência, se arriscaria a aplicar seus recursos ali?

Você, leitor, imagine-se como um turista que pretende passar as férias no estrangeiro. Há mais de 200 nações no mundo, cada uma com seus próprios atrativos, disputando a sua preferência. Você, por acaso, optaria por um país que estivesse em guerra? Ou por outro onde o índice de violência contra turistas fosse ameaçador? Com certeza, não. Você escolheria um lugar seguro, mesmo que ele fosse menos atraente que os demais. Quando se trata de dinheiro, o problema é ainda mais sério. Você arriscaria a sua poupança, arduamente amealhada ao longo da vida, numa nação onde, em razão da corrupção, os negócios são incertos, os retornos duvidosos e, a qualquer momento, o empreendimento em que você apostou pode vir a naufragar em função das ações de espertalhões? A resposta, obviamente, é não!

Esqueça o dinheiro estrangeiro. Vamos supor que o Brasil seja rico o suficiente para se alavancar apenas com a poupança interna, com os capitais pertencentes aos próprios brasileiros. Você arriscaria comprar ações de uma empresa que, sabidamente, depende de um "relacionamento privilegiado" com o Estado para gerar lucros? Não, e é por esta razão que tais empresas nem sequer lançam ações no mercado. Em outra hipótese, você se disporia a aproveitar a sua poupança para abrir um negócio cuja sobrevivência dependa de propinas e subornos a políticos e burocratas? Também não. Com isso toda a economia perde, em função do sub investimento e da deficiente alocação de seus recursos.

O dinheiro é tal qual uma ave de arribação: ele levanta vôo ao mais insignificante sinal de perigo.

Um país que tolera a corrupção, um povo que "acha graça" na esperteza dos corruptos, uma sociedade que não bane de seu convívio aqueles cuja riqueza tenha origens duvidosas, são um país, um povo e uma sociedade que não merecem sequer os benefícios do desenvolvimento.

A corrupção não é apenas uma questão moral. Ou todos nós nos mobilizamos para combatê-la e erradicá-la, ou o nosso próprio projeto nacional estará irremediavelmente comprometido. A História está aí para nos demonstrar: não há civilização que tenha sobrevivido depois que os germes da corrupção gangrenaram seus mais caros valores. O progresso tem um preço. E nós não nos podemos esquivar de pagá-lo.