sábado, janeiro 28, 2006

Miriam Leitão Enquanto isso

O GLOBO

Esta eleição tem tudo para ser campeã em violação da legislação eleitoral. Os mais explícitos atos de campanha vêm do presidente Lula e do ex-governador Garotinho. O ministro do STF Marco Aurélio Mello, autor da decisão que multou o presidente Lula pela propaganda antecipada no fim de 2005, admite que não se pode fazer muito mais, além de multar, enquanto as candidaturas não forem oficializadas.

— A campanha pode começar apenas em cinco de julho. Até lá, é proibido fazer propaganda, pedir votos, divulgar feitos do governo os vinculando a apoios futuros. Quem fizer isso tem que ser multado — diz o ministro que muito provavelmente presidirá estas eleições.

Mas ele admite que dificilmente se pode chegar à inelegibilidade porque, para impugnar uma candidatura, ela tem que estar assumida. Quem diz que não é candidato não pode ser punido além da multa:

— Mesmo a Lei Complementar de Elegibilidade, quando proíbe uso da máquina e do poder econômico e de autoridade, refere-se ao candidato. Isso pode incentivar o disfarce.

Fica clara, então, a razão de o presidente Lula não se declarar candidato. Agindo assim, aproveita-se de uma brecha da lei, expõe-se apenas à multa branda, como a que recebeu, de R$ 30 mil, e não fica sob suspeição. Com esse manto, pode requerer horário eleitoral para proclamar seus feitos e, indiretamente, avisar que tem mais a fazer; pode inaugurar buraco tapado e esqueleto de hospital. Recentemente, numa inauguração no Nordeste, do palanque, convocou políticos:

— Deputado é para estar aqui mesmo, governador é para estar aqui mesmo, prefeito é para estar aqui mesmo. Candidatos, é para estarem aqui mesmo.

De fato é, mas no momento certo e no palanque certo. Aquele não era um local de propaganda, era um evento armado com o uso da máquina pública, era um ato de governo. Portanto o presidente estava não apenas desrespeitando a lei eleitoral — que proíbe tanto o uso da máquina quanto a propaganda antecipada — como convidando outros a desrespeitar com ele a legislação.

Na fronteira com o Peru, na semana passada, Lula não pediu votos exatamente, mas teve quem o fizesse por ele. O governador do Acre entregou um abaixo-assinado para que se candidatasse a reeleição e o presidente do Peru, Alejandro Toledo, pediu votos para Lula.

Na Baixada Fluminense, diante de um esqueleto de hospital, Lula descaradamente fez campanha. Não faltou nem a cena das mãos dadas para o alto com outros políticos. Pessoas transportadas em ônibus de prefeitura foram lá para cantar o velho “Lula Lá”; ele fez afirmações inequívocas de candidato e acabou prometendo completar a obra do hospital:

“Esta é a minha gente. A minha cara não é a da Zona Sul.” “Este ano é da colheita, entre fazer para eles e para mim, prefiro fazer para nós aqui.” “Fazer concurso significa que um mais letrado, que não é mata-mosquito, vai passar no lugar de alguém que já é mata-mosquito.” Com frases assim, arrombou a legislação eleitoral. Fez campanha antecipada, disse que governa não para o país inteiro (“para eles”), mas apenas para seu grupo (“nós aqui”) e ainda admitiu que prefere contratar funcionário público sem concurso, para beneficiar, assim, quem ele acha que merece o emprego.

Em vários momentos, Lula rebate a acusação de estar fazendo atos eleitoreiros usando três argumentos: que vai usar todo o tempo que tem antes de ser obrigado a dizer se é candidato; que se não fizesse propaganda do que tem feito, outros fariam propaganda do que ele não fez; que não vai deixar outro colher o que ele plantou.

— Se alguém reclamar, eu peço desculpas, mas não posso fazer nada — completou.

Ou seja, o presidente age de caso pensado. Adia a decisão sobre candidatura se aproveitando de vantagens da lei eleitoral; quer fazer propaganda mesmo e, se alguém reclamar, pede desculpas e continua com o mesmo comportamento.

A idéia de que não querer que outro colha o que plantou é autoritária. O governo não lhe pertence. A Presidência é um cargo que exerce, por mandato, temporariamente. Lula, como oposição, ficou contra o Plano Real e a abertura comercial. Como presidente, colheu os frutos da inflação sob controle e do comércio externo vigoroso, ambos fatos plantados por outros presidentes.

Na mesma toada, o ex-governador Garotinho usa todo o espaço que lhe dá o governo que, de fato, controla, no Rio. Propagandas de programas iniciados por ele são veiculadas diariamente no horário nobre. A máquina pública é escancaradamente usada, como no episódio recente quando beneficiados do cheque-cidadão receberam junto com o pagamento uma convocação: “Você, beneficiário do cheque cidadão, deverá comparecer à reunião com Anthony Garotinho.” O que mais é necessário para se comprovar o uso da máquina? Na eleição de 2004, entre os vários flagrantes explícitos de uso da máquina, estava a distribuição de kit escolar em outubro. Nada disso amedronta o candidato; ele acredita na impunidade que sempre teve.

O ministro Marco Aurélio promete rigor se couber a ele conduzir o TSE:

— A Justiça estará de olho, e o que os candidatos estão fazendo agora ficará registrado para consideração futura. A vida pregressa do candidato será considerada também.

Com a aposentadoria do ministro Carlos Velloso, a presidência do TSE foi ocupada pelo ministro Gilmar Mendes. Mas, em junho, a ministra Ellen Gracie assumirá a presidência do STF. O ministro Gilmar, pelas regras do Supremo, pode ser o vice-presidente. Se for, ele se credencia para ser presidente em 2008. Como não pode acumular o cargo de vice-presidente do Supremo, com a presidência do TSE, é possível que o posto fique para Marco Aurélio Mello. Seja quem for, terá muito trabalho para tentar evitar o que já está hoje acontecendo no país.