segunda-feira, dezembro 26, 2005

Lula tentou abafar investigações, diz presidente da OAB

FOLHA

Para Roberto Busato, presidente sabia de esquema de corrupção e demonstrou "desqualificação absurda para enfrentar a crise"

Alan Marques - 07.nov.05/Folha Imagem
Roberto Busato, presidente da OAB, diz que a entidade não descarta possibilidade de impeachment


LILIAN CHRISTOFOLETTI
DA REPORTAGEM LOCAL

Para o presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Roberto Antonio Busato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai passar para a história como o governante que mais tentou abafar investigações de corrupção.
"Para mim, é prova inconteste de que Lula sabia exatamente de todo esquema e estava de acordo com a sua existência", disse Busato, para quem Lula demonstrou uma "desqualificação absurda para enfrentar a crise".
Aos 51 anos, o presidente da OAB é hoje um dos maiores críticos do governo Lula. Fala com naturalidade da possibilidade de impeachment. Diz apenas que irá esperar a conclusão da CPI dos Correios, que investiga a existência do esquema do "mensalão".
"As investigações avolumaram-se de forma tão extraordinária pelo total descalabro ocorrido dentro do governo em termos de corrupção. É uma corrupção enraizada, sistematizada em toda a administração pública", disse.
Leia a seguir trechos da entrevista à Folha, por telefone:

 

Folha - Em 2005 o Brasil assistiu a uma propagação de CPIs. O que aconteceu: aumentou a corrupção ou o país investigou mais?
Roberto Antonio Busato -
Não se investigou mais, ao contrário, o presidente tenta confundir a opinião pública dizendo que o governo dele foi o que mais investigou na história do país. Na verdade, foi o que mais tentou impedir a investigação. Desde o primeiro escândalo, o do Waldomiro Diniz [ex-assessor do ex-ministro José Dirceu flagrado negociando propina com um empresário de jogos], sempre houve a tentativa de esconder a corrupção embaixo do tapete. Naquele momento, o governo não tomou nenhuma posição, nem demitiu o funcionário. As investigações avolumaram-se de forma tão extraordinária pelo total descalabro ocorrido dentro do governo em termos de corrupção. É uma corrupção enraizada, sistematizada em toda a administração pública.

Folha - Alguns petistas dizem que a CPI dos Correios não conseguiu provar a existência do "mensalão". O sr. concorda?
Busato -
A CPI está em andamento, mas nós tivemos uma prévia do relatório que, para mim, foi absolutamente esclarecedor. Tudo o que já foi dito demonstra a completa culpabilidade da administração do governo Lula e, o que é pior, atingiu mortalmente o maior amigo do presidente.

Folha - José Dirceu?
Busato -
José Dirceu nunca foi amigo de Lula. Dirceu era um interesse político-partidário. Mas o ex-ministro Luiz Gushiken, que hoje é assessor especial, este sim é o confidente do presidente, uma pessoa muito próxima, tão próxima que deixou de ser ministro e se tornou assessor especial. A revelação de repasses de verba de publicidade da Visanet, ligada ao Banco do Brasil, a agências de Marcos Valério, e de distribuição a parlamentares sempre em épocas apropriadas ao governo, atingiu mortalmente o coração de Gushiken. E, ao atingir Gushiken, atinge Lula, na medida que o presidente não tomou nenhuma atitude para afastá-lo do governo. É prova inconteste de que Lula sabia exatamente de todo esquema e estava de acordo com a sua existência.

Folha - Em que reside a sua certeza?
Busato -
A participação de Lula é absolutamente baseada pela proximidade de quem sempre foi confidente e grande amigo de Gushiken. O ex-ministro realmente comandava toda a área de comunicação do governo federal, onde havia um desvio de dinheiro público para atividades partidárias e delituosas no sentido de corromper o Congresso Nacional.

Folha - Qual a avaliação do sr. sobre a condução da crise pelo presidente Lula?
Busato -
Acho que o presidente perdeu uma grande chance ao não acolher uma sugestão da OAB de convocar o Conselho Nacional da República para ajudá-lo a governar. Hoje ele estaria cercado por pessoas de confiança, estaria melhor estruturado para enfrentar a crise. Quando nomeou alguns membros desse conselho, Lula havia dito que iria convocá-los várias vezes, mas deixou de cumprir mais uma promessa. O presidente demonstrou total despreparo, uma desqualificação absurda na condução da crise. E ele se viu cada vez mais envolvido por ela, chegando ao ponto de ser lembrado esse instituto amargo que é o impeachment.

Folha - Vamos para o último ano do governo Lula. O sr. acha que é possível falar em impeachment?
Busato -
A OAB continua pensando nessa hipótese, mas nós não seremos os incendiários nem covardes dentro da nossa missão com o povo brasileiro. Vamos aguardar a conclusão da CPI, como aguardamos no governo Fernando Collor de Mello.

Folha - Em meio às denúncias, o Legislativo e o Judiciário cumpriram o dever de casa em relação ao combate à corrupção?
Busato -
O Legislativo está devendo muito ainda. A absolvição do deputado federal Romeu Queiroz [PTB-MG, que confirmou ter recebido dinheiro ilegal] realmente mostrou uma absoluta falta de consciência do Congresso no sentido de cortar de sua própria carne aquele que não merece estar lá. A eleição de Severino Cavalcanti [PP] para a presidência da Câmara, por exemplo, foi uma situação irresponsável. Severino não tinha preparo pessoal e ético na condução dos destinos da Casa. E, apesar de tudo o que aconteceu, Severino ainda transita no Congresso e é tratado como um elemento de alta dignidade, o que desacredita o Congresso. Severino acaba freqüentando também as reuniões presidenciais na Granja do Torto, o que demonstra que realmente há um desvio de conduta ética inimaginável.

Folha - E o Judiciário?
Busato -
O Judiciário ficou mais preservado. Participou no final da crise, mas não por intromissão do órgão. Foi o ex-ministro José Dirceu quem recorreu ao Judiciário e usou todos os artifícios jurídicos no sentido de protelar a via-crúcis dele. Mas não acredito que o Poder Judiciário tenha ficado a dever. A Justiça é o caminho natural daqueles que se julgam com uma diminuição de seus direitos.

Folha - O limite de atuação dos Poderes não foi rompido nas reiteradas decisões do Judiciário que alteraram o andamento do processo de cassação aberto contra Dirceu?
Busato -
Entendo que não. O Supremo não entrou no mérito da questão que estava sendo examinada pelo Congresso, não disse que Dirceu tinha ou não tinha culpa. O STF apenas examinou as regras regimentais da Casa.

Folha - E como o sr. vê o fato de o presidente do órgão máximo do Judiciário ser pré-candidato?
Busato -
Ele não declara esta condição.

Folha - Mas também não nega.
Busato -
É. Nelson Jobim é uma figura ímpar na história brasileira, é uma pessoa eminentemente política. Exerceu cargos nos Três Poderes da mais alta relevância: foi deputado de envergadura no Congresso, foi ministro da Justiça e presidente do STF. Tudo o que ele faz tem esse jeito político que é de sua própria natureza. Evidentemente que isso não é do figurino do magistrado. Acredito que o ministro Jobim deverá se afastar do Supremo no começo do ano, tendo em vista essa imagem que está custando muito caro à sua biografia. É um sentimento que tenho. Acho que essas críticas não estão caindo bem dentro daquilo que conheço do ministro.