domingo, dezembro 25, 2005

ELIO GASPARI Um novo estilo: o minto-logo-desminto

FOLHA

Diante do palavrório das cartas enviadas aos jornais por espertalhões, assessores e consultores de comunicação, aproveita-se o espírito natalino para dar voz a cinco expoentes do estilo minto-logo-desminto.
Nada a ver com as cartas de leitores que expressam autenticamente seus pontos de vista. Como boa parte dos textos com desmentidos de mitômanos publicadas pelos jornais, nenhuma das cinco é inteiramente falsa. Nem verdadeira.

EDITORIALISTAS LEVIANOS
Moscou, 30 de setembro de 1936
Senhor diretor do "New York Times",


Na qualidade de chefe do Ministério Público soviético, quero expor o meu assombro diante do editorial que qualificou de "medieval" a execução de Gregory Zinoviev e Lev Kamenev. O editorial diz que eles foram fuzilados tendo sido condenados a dez anos de prisão. Essa afirmação é falsa. Os dois foram executados no cumprimento de uma sentença exarada em março deste ano, referente a outro processo no qual, como no primeiro, tiveram direito amplo e público de defesa.
Esses dois cachorros doidos do capitalismo, ex-dirigentes do Partido, conspiraram contra a Pátria Socialista e planejaram atos terroristas contra o camarada Stálin.
Vossos editorialistas desrespeitam os leitores quando emitem opiniões sem o amparo dos fatos. Isso não é jornalismo. Leiam o que escreveu Walter Duranty, correspondente do "New York Times" em Moscou, agraciado com o prêmio Pulitzer: "É inconcebível que as autoridades levassem esses homens a um julgamento público sem que tivessem provas de sua culpa".
Se os editorialistas lessem o que publica o jornal onde trabalham, a verdade só teria a ganhar.
Andrei Vishinsky
Procurador-geral da União Soviética

 

CORRESPONDENTE FACCIOSO
Berlim, 1º de setembro de 1939
Senhor diretor da Columbia Broadcasting System,
Na sua transmissão radiofônica de hoje, o repórter William Shirer afirmou que "a Alemanha invadiu a Polônia". Cometeu três erros que julgamos oportuno retificar:
1) A Alemanha apenas revidou a uma agressão covarde. Na noite de 31 de agosto, tropas polonesas atacaram nossos soldados em 21 localidades da fronteira. Na cidade de Gleiswitz, os invasores tomaram a emissora de rádio e conclamaram o povo da Silésia a rebelar-se. Doze soldados do Reich perderam suas vidas defendendo a pátria e um alemão que colaborava com os invasores morreu nos combates. Recapturada, a sede da emissora foi visitada pela imprensa.
2) O chanceler Adolf Hitler denunciou essa covardia na tarde de ontem.
3) Vivendo em Berlim, o sr. Shirer tem acesso às notícias de nosso país. Portanto, sabe que famílias alemãs estão fugindo da Polônia depois que suas fazendas foram incendiadas.
4) Se o repórter seguisse as normas da CBS, teria ao menos procurado ouvir nossa versão de tão grave violação do direito internacional.
Para tanto, continuamos à disposição de sua prestigiosa emissora.
Ernst Hanfstaengl
secretário de imprensa do Ministério das Relações Exteriores


 

FALTA DE ÉTICA
Washington, 8 de maio de 1945
Senhor diretor da Associated Press,


Ontem, o repórter Ed Kennedy e a AP violaram uma das mais elementares regras da ética jornalística.
Às 2h41 da madrugada, o general alemão Gustav Jodl rendeu-se incondicionalmente ao general Walter Bedell Smith, chefe do Estado-Maior Aliado na Europa. A cerimônia ocorreu no quartel-general de Reims, na França. Dezessete repórteres e quatro fotógrafos credenciados assistiram à cena da capitulação.
A caminho de Reims, informei a todos os jornalistas que a assinatura da paz era matéria "ultra-secreta" e deveria ser mantida sob sigilo até posterior liberação. O comandante aliado, general Eisenhower, ordenou que o fato só fosse divulgado quando as tropas alemãs da frente leste se rendessem ao marechal soviético Zukov. Foi uma exigência do generalíssimo Stálin, aceita pelo Alto Comando Aliado.
Desrespeitando o embargo, Ed Kennedy telefonou para Londres informando que a guerra terminara. A Associated Press associou-se ao lastimável gesto de seu correspondente e divulgou mundialmente a notícia. O Alto Comando Aliado não divulgou esse fato e, portanto, "não estão autorizadas quaisquer reportagens a esse respeito". Consideramos irrelevante o fato de o ministro das Relações Exteriores da Alemanha ter comunicado a rendição ao seu povo duas horas antes.
Diante dessa atitude inaceitável, informamos que estão suspensas todas as credenciais de repórteres e fotógrafos da AP junto às tropas Aliadas. A de Ed Kennedy está cancelada.
Atenciosamente,
General Frank Allen
Chefe da Divisão de Relações Públicas do Alto Comando Aliado

 

PRESSA IRRESPONSÁVEL
Dallas, 15 de janeiro de 1964
Senhor diretor da TV KRLD,


Solicito que sua emissora se abstenha de identificar meu falecido cliente Lee Harvey Oswald como assassino do presidente John Kennedy.
Ele morreu dizendo-se inocente e nunca foi condenado pela Justiça.
A imprensa precisa limitar a sua capacidade de propagar notícias colhidas ao acaso. Lembro-lhe o lastimável desempenho de seu departamento de jornalismo no início da tarde de 23 de outubro passado. Poucos minutos antes das 13h, o repórter Eddie Barker, da KRLD, anunciou que o presidente John Kennedy estava morto. Ele recebeu essa informação de um médico que não estivera no hospital para onde haviam levado o presidente. Além disso, não o identificou.
Irresponsavelmente, transmitiu uma informação que não checou. O repórter Dan Rather, da CBS, obtivera essa mesma informação em duas fontes diferentes e não a levou ao ar. A notícia foi prontamente desmentida por Walter Cronkite, um ícone do nosso jornalismo.
Atenciosamente,
Katz, Gutierrez & Miranda Associados
 

NÃO SE TORTURA NO BRASIL
Washington, 5 de março de 1970
Senhor diretor do "Washington Post",

Seu editorial intitulado "Opressão no Brasil" está abaixo dos padrões jornalísticos e éticos de um jornal influente como o "Washington Post".
Respeita-se o direito de crítica, mas foi chocante ler um insultuoso ataque pessoal ao presidente do Brasil. Seu texto compromete as nossas boas relações com os Estados Unidos.
Lastimo que seu jornal volte a fazer acusações que já foram respondidas pelo governo na sua condenação de quaisquer violações de direitos humanos no tratamento de presos políticos brasileiros. Todo o mundo viu os 15 prisioneiros libertados em troca do embaixador americano Charles Elbrick. Estavam em perfeitas condições físicas e mentais. Ali os senhores têm a prova concreta e inegável do tratamento correto que recebem os presos acusados de atos terroristas.
É de esperar que não seja necessário voltar a escrever ao "Washington Post", do qual esperamos o equilíbrio e o alto nível de linguagem que fizeram suas reputação,
Embaixada do Brasil