quinta-feira, dezembro 22, 2005

ELIANE CANTANHÊDE Pulga atrás da orelha

FSP
BRASÍLIA - Está ficando cada vez mais evidente que há dois José Dirceu: um, antes da cassação; outro, depois. É este, afiado, que é interessante de analisar. E ele não fala sozinho. Ao contrário, reflete uma tendência.
Numa entrevista à revista "Fórum", ligada ao Fórum Social Mundial, Dirceu declarou que o governo "acabou": "Na verdade, não sobrou nada", disse sobre o desmonte de todo o "núcleo duro" original -ele próprio, Gushiken e agora Palocci, muito ferido. Depois, resumiu tudo numa única frase: "O personagem é difícil. Está ficando claro isso". O "personagem" é Lula.
Depois dessa, tudo ficou possível. Num almoço com amigos, no Rio, Dirceu voltou à carga e avisou que só vota em Lula "se ele disser o que vai fazer no segundo mandato". Mais: "Votar no Lula só porque é o Lula? As pessoas já fizeram isso em 2002".
E tascou o elogio que Serra pediu a Deus. Para Dirceu, ele dificilmente será candidato. Por quê? "Porque o establishment não vai deixar. Você acha que a Febraban, a Fiesp vão deixar? Querem um pau-mandado. (...) O Serra é muito independente".
É ou não um elogio? E é ou não um elogio que bate fundo nas traumatizadas esquerdas brasileiras? Mais: não parece ser por acaso nem um ato falho, mesmo porque Dirceu não é homem de acasos e de atos falhos.
O que ele fala se encaixa num contexto. Como já antecipei neste mesmo espaço, no domingo 11/12, muita gente da esquerda e da direita que não gostava de Serra começa a esquecer os defeitos para desfiar as qualidades dele -como enfrentar a gula da área financeira.
Dirceu, portanto, encerra um ano dificílimo deixando uma grande pulga atrás de muitas orelhas: além de forçar o confronto com Lula-Palocci dentro do próprio PT, o que mais ele está sinalizando?