quinta-feira, dezembro 29, 2005

Editorial da Folha de S Paulo

OPERAÇÃO TAPA-BURACO

Eis que depois de três anos de mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva mostra-se preocupado com a situação da malha rodoviária e planeja decretar estado de emergência em cerca de 11 mil quilômetros de estradas. Com a medida, o governo deverá gastar, sem licitação, R$ 200 milhões numa eleitoreira operação tapa-buraco, a ser concluída até o final de março.
A deterioração das estradas brasileiras é um problema conhecido, que cria ônus econômicos, gerando gargalos e custos para o transporte de cargas. O presidente e sua equipe tiveram bastante tempo para cuidar do assunto de maneira mais planejada e eficaz, mas não o fizeram.
Recursos previstos em lei para essa finalidade, como os que são arrecadados pela Cide (contribuição sobre combustíveis) ficaram retidos pelo Ministério da Fazenda nos primeiros anos de governo -e as verbas depois liberadas mal foram aplicadas, numa flagrante demonstração de incompetência administrativa.
Agora, quando o problema ganha projeção na mídia e ameaça atrapalhar os planos eleitorais do Planalto, anunciam-se medidas "urgentes".
A apressada operação deverá beneficiar estradas que foram transferidas da União para Estados no final do governo anterior -em uma outra decisão tomada às pressas. No caso, tratava-se de atender o ex-governador Itamar Franco, de Minas, que se via sem recursos para pagar compromissos rotineiros, como o 13º salário dos servidores. Para obter verbas, o governo de Minas reivindicava na Justiça ressarcimento de gastos que teriam sido realizados na manutenção de rodovias federais no Estado.
Pressionado e temendo sentenças judiciais adversas, o governo Fernando Henrique Cardoso encontrou uma "solução": transferiu estradas para o controle estadual e, com elas, repassou recursos a pretexto de garantir sua conservação.
Caso o presidente Lula venha, de fato, a intervir nessas estradas, corre-se o risco de mais uma solução tapa-buraco: quem garante que, uma vez reparadas e devolvidas aos Estados, as rodovias passarão a ser mantidas regularmente em boas condições?