HISTÓRIA INTERDITADA
A transferência de documentos sigilosos produzidos pelo regime militar entre 1964 e 1975 das dependências da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para o Arquivo Nacional representa um avanço democrático. A papelada deixou de fazer parte do acervo de órgãos de investigação e passou a compor o conjunto da memória do país.
Nesse contexto, compreende-se o júbilo com que a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, ela própria uma ex-guerrilheira que foi vítima de tortura no período, defendeu em artigo publicado ontem pela Folha o decreto nº 5.584, que determina a transferência dos documentos.
É preciso lembrar, no entanto, que o atual governo, seguindo os passos da gestão anterior, cometeu um delito de lesa-historiografia ao editar a medida provisória que deu ao Executivo poderes para manter determinados documentos classificados como ultra-secretos indefinidamente sob sigilo. Trata-se de uma afronta aos princípios democráticos e republicanos que norteiam a Constituição.
Existem de fato situações em que documentos públicos precisam ser mantidos em segredo, mas essa exceção ao princípio da publicidade dos atos de autoridades deve ser realmente extraordinária, e o sigilo não deveria estender-se além de um prazo fixado claramente em lei. Mas a norma baixada pelo governo e acatada por parlamentares servis fere ambas as condições.
Ela faculta a uma comissão de membros do próprio governo escolher, entre os papéis ultra-secretos, aqueles que possam ameaçar "a soberania, a integridade territorial nacional ou as relações internacionais do país" e tirá-los de circulação por prazo indefinido, privando a população de saber como agiram seus governantes mesmo depois de passados séculos dos fatos.
É ótimo que os papéis da ditadura estejam sendo transferidos para o Arquivo Nacional, mas isso de modo algum escusa a censura que o governo petista impôs à história do Brasil.