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"Sou Palocci desde criança" LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Escrevo esta coluna semanal na Folha desde 1979. Nos primeiros anos, chamava-se "Por dentro do mercado financeiro" e eu procurava refletir sobre questões relacionadas a "aplicações financeiras em um ambiente de aceleração da inflação". Sem saber, fazia parte de uma geração de economistas que viria a participar, nos anos seguintes, do debate sobre um dos momentos mais complexos de nossa história econômica. Foi um aprendizado sobre teoria econômica aplicada a uma economia emergente em um contexto de grandes dificuldades.
O arranjo institucional da economia brasileira era confuso, complexo e totalmente heterodoxo. Vivíamos isolados do mundo não só pelo elevado grau de fechamento de nossas fronteiras mas também pela bagunça fiscal e pela intervenção profunda do governo nas questões econômicas. Câmbio e preços dos principais produtos eram controlados administrativamente, a correção monetária dos contratos financeiros era generalizada e o Banco Central determinava a formação das taxas de juros nos mercados. Por outro lado, vivíamos em eterno estado de tensão pela situação difícil de nossas contas externas.
Foi nesse contexto caótico, do ponto de vista econômico, que se formaram as três maiores correntes do pensamento econômico tupiniquim e que ainda hoje se digladiam pela imprensa. De um lado, os ortodoxos de carteirinha; de um outro, os seguidores da economia de mercado, que, como Keynes, procuravam entender o fenômeno econômico no contexto de cada sociedade e das mudanças estruturais inerentes a cada tempo histórico vivido; e, finalmente, os que não aceitavam os ensinamentos dos livros-texto e procuravam construir os pilares de uma macroeconomia cabocla.
Quando assumi uma diretoria do Banco Central, em agosto de 1985, juntei-me definitivamente ao segundo grupo. Vivíamos a segunda fase do governo Sarney e fui obrigado a conviver com o pessoal da heterodoxia cabocla. Essa experiência marcou de forma fundamental minha carreira de economista e me afastou de forma definitiva do grupo dos heterodoxos. Firmei minhas convicções de que a forma para colocar a economia brasileira de novo nos trilhos passava pelos caminhos da ortodoxia, mas com uma leitura cuidadosa das marcas institucionais que ainda faziam de nossa economia um corpo doente e com idiossincrasias tão particulares.
É dentro desse entendimento que tenho criticado de forma sistemática a política econômica do ministro Palocci. Mas, quando surge novamente no horizonte o pensamento heterodoxo caótico do passado, agora defendido pela ministra Dilma, sou obrigado a esquecer minhas divergências e me alinhar ao lado dele. Já sofremos bastante com a heterodoxia irresponsável e não podemos arriscar nosso futuro com outra aventura do tipo "mais inflação para termos mais crescimento". Isso não existe, e a estabilidade de preços, tão duramente conquistada, não pode ser ameaçada novamente.
O equilíbrio fiscal que hoje temos tem que ser preservado, bem como seu subproduto mais importante, que é a estabilidade dos preços. Diante da ameaça de alteração da política econômica, não tenho outra alternativa senão a de me alinhar com a equipe econômica. Até porque entendo que um novo ataque ao ministro Palocci vai acontecer no início do ano. A política de juros do Banco Central está provocando uma desaceleração clara na atividade, e o sonho da economia crescendo em 2006 a taxas de 4% ao ano vai ser desmistificado nos próximos meses.
Com um presidente da República candidato à reeleição, a percepção de que a economia vai crescer bem menos do que o esperado vai recolocar a política do ministro Palocci no pelourinho. E eu estarei claramente a seu lado.