Há praticamente 130 anos, o grande Karl Marx deu uma famosa entrevista a um correspondente em Londres do jornal "The Chicago Tribune", publicada no dia 5 de janeiro de 1879. Quem mais perdeu foi o entrevistador, que ficou anônimo. Se tivesse se identificado, seria mais um cidadão canonizado pelo simples fato de ter dado a mão ao doutor Karl. Àquela altura, Marx já tinha 61 anos (morreu quatro anos depois). Com seu fogo revolucionário diminuído, mantinha ainda uma razoável esperança de que o socialismo poderia afinal produzir a emancipação dos trabalhadores dentro de um mundo que já engrenava um feroz capitalismo e flertava com o regime democrático. A resposta mais interessante da entrevista (na minha opinião) é a que Marx formula à pergunta do entrevistador de "como seria a derrubada da ordem social dominante"? Depois de mostrar o antagonismo irreconciliável (para ele) entre os empresários que detêm o capital e alugam a força de trabalho e os trabalhadores que não dispõem de outra coisa a não ser a sua força de trabalho para alugar, ele não explicita nenhuma revolução violenta. Pelo contrário, apela para uma solução política: "Do ponto de vista socialista", diz Marx, "os meios para transformar revolucionariamente a fase histórica presente já existem. Em numerosos países, organizações políticas tomaram impulso a partir dos sindicatos. Na América, é evidente, hoje, a necessidade de um partido operário independente (sic). Os trabalhadores não podem mais confiar nos políticos. Os especuladores e as "claques" se apoderaram dos órgãos legislativos, e a política tornou-se uma profissão. Não é somente o caso da América. Mas ali o povo é mais resoluto do que na Europa: as coisas amadurecem mais rápido, não se fazem rodeios e se vai direto aos fatos." (a entrevista está na íntegra na revista "Ensaio", ano 5, nº 11/ 12, 1983). Nos EUA, um "partido operário" independente nunca prosperou. Há exemplos diferentes (como a Polônia), mas o caso brasileiro é muito importante. A atuação dos sindicatos sob o comando de um líder carismático de inteligência e habilidade política superiores -Luiz Inácio Lula da Silva- deu nascimento a um partido da natureza do sugerido pelo doutor Karl -o Partido dos Trabalhadores, que foi capaz de atrair para o seu seio, como militantes ativos, um bom número de líderes sindicais e uma expressiva parte da "inteligência" universitária brasileira. A adesão de intelectuais a programas que prometem a "emancipação dos trabalhadores" é comum, como provam a adesão escondida (antes de Segunda Guerra) de parte da sisuda inteligência britânica e a maciça adesão da alegre intelectualidade francesa aos seus respectivos partidos comunistas. Depois dos estudos de Robert Michels (1911) sobre a tendência à oligarquia das organizações e da prática corrupta e violenta do sindicalismo americano (e outros...), não é possível ver nessas instituições qualquer futuro politicamente aceitável. A esperança de ver a emancipação dos trabalhadores por um partido operário foi mais uma vez posta em séria dúvida com a ida do PT ao poder pela rapidez com que absorveu e ampliou pecados veniais do parlamento "burguês", transformando-os em pecados capitais, e pelos resquícios de autoritarismo que não consegue esconder. Morta a esperança de emancipar o homem por obra de uma classe, talvez só reste fazê-lo, a pouco e pouco, com um sistema democrático pluripartidário e com partidos abertos. |