sábado, novembro 26, 2005

MIRIAM LEITÃO Boa forma

O GLOBO

O Brasil vai entrar no ano eleitoral com mais de US$ 50 bilhões de reservas líquidas, com o Tesouro tendo acumulado recursos para todos os pagamentos que precisa fazer até meados do ano que vem, com a dívida externa tendo sido reduzida em US$ 40 bilhões desde o começo do governo, e a dívida interna indexada ao câmbio em menos de 3% do total da dívida. Os juros estarão caindo e a inflação baixa. Quem pode atrapalhar esse quadro? O próprio governo.

Há uma grande chance de que, no ano que vem, a natural turbulência política de uma eleição não bata na economia. O câmbio pode ficar mais pressionado, mas, se isso acontecer, até será bem-vindo, podem dizer os exportadores. Mas é difícil imaginar uma crise cambial, como a de 2002, num país que estará em 2006 no quarto ano consecutivo de superávit em transações correntes.

Esta semana, o Banco Central elevou de US$ 9,4 bilhões para US$ 13,6 bilhões sua previsão de superávit em transações correntes para este ano. Um aumento de US$ 4 bilhões e, mesmo assim, há quem no mercado ache que o Banco Central está sendo conservador em suas previsões e aposte que pode chegar a US$ 15 bilhões, como, por exemplo, a MCM.

As reservas cambiais no começo do governo eram US$ 13 bilhões. Com as compras do mês de outubro, chegaram a US$ 48 bilhões, mas o BC continuou comprando em novembro. Há projeções de que já estejam acima de US$ 50 bilhões. São reservas líquidas, ou seja, se o Brasil pagar hoje tudo o que deve ao FMI — e vem pagando antecipadamente — ainda assim, tem quase quatro vezes mais reservas líquidas do que tinha no começo do governo. O saldo comercial no ano da última eleição era de US$ 13 bilhões, este ano vai chegar a US$ 42 bilhões, o que significa que, mesmo que encolha no ano que vem, as entradas de dólares comerciais serão suficientes para irrigar o mercado de câmbio de dólar num momento de tensão pré-eleitoral.

O que pode atrapalhar esse quadro e criar um canal de transmissão da tensão eleitoral para a economia é o governo. E ele vem se esforçando bastante nos últimos dias para levantar dúvidas sobre quais são as escolhas de política econômica que valerão quando o presidente subir oficialmente — na prática ele já subiu — no palanque da sucessão.

A crise política, três CPIs, queda do ministro-chefe da Casa Civil, ameaça de cassação, indiciamento de deputados, nada disso afetou o nível de risco-país e os ativos financeiros. Atingiram, sim, o humor do consumidor e o ânimo do empresário. A economia real foi reduzindo suas possibilidades de crescimento este ano por causa da crise política e dos juros muito altos.

A soma dos dois apertos sobre a economia estará retratada na semana que vem no número que será divulgado pelo IBGE. Número ruim: queda no PIB do terceiro trimestre; queda que pode chegar a ser de 0,5% em relação ao segundo trimestre. Com isso, as previsões de crescimento do PIB do ano caem para nível abaixo de 3%.

A economia sofre em momentos assim de crise porque naturalmente consumidor e empresário ficam mais cautelosos em suas decisões e mais pessimistas em relação ao futuro. Adiam decisões. Os juros reais de 13% a 14% são outro fator importante para derrubar o nível de atividade. Mas, diante de tanta pressão, é um resultado razoável continuar com o produto positivo. Só que comparado com o resto do mundo, o Brasil teve um desempenho medíocre no ano.

Porém toda essa turbulência política aconteceu sem que a confiança do investidor, o risco-país, a taxa de câmbio sofressem. Esta semana, a dúvida em relação à permanência do ministro Antonio Palocci, ou à manutenção da política econômica, foi suficiente para provocar um tremor. Esse é o ponto: se houver dúvida sobre mudança da política econômica, toda essa boa forma dos indicadores pode não ser suficiente para evitar outro ano turbulento.

Normalmente, em ano eleitoral, há muito debate político que causa ruído. Natural e da vida da democracia. Ocorrerá no ano que vem, de novo. É esperado também o aumento das saídas de dólares. As remessas de lucros e dividendos por exemplo, segundo a GAP Asset, foram de US$ 7,3 bilhões no ano passado, este ano foram de US$ 9,7 bilhões até outubro e devem fechar 2005 em torno de US$ 12 bilhões; um aumento de 60%. Eles acham que isso é resultado da crise política, antecipação do ano que vem, e lucros altos mesmo.

Todas as consultorias estão prevendo queda do saldo comercial no ano que vem. A Tendências acha que pode cair para US$ 35,2 bilhões. Se cair, não será problema. O país continuará com um saldo comercial substancial para fazer frente a todos os compromissos externos.

Alguns problemas persistem, como a dívida pública líquida, que este ano continuou em torno de 51,5% do PIB, sem qualquer melhora, apesar do superávit fiscal. Na última eleição, chegou a estar em 62% do PIB. Não caiu mais porque os juros permanecem altos, mas também porque as despesas correntes estão crescendo de forma assustadora e sendo cobertas por mais e mais arrecadação. A luta da ministra Dilma Rousseff para ter mais poder decisório sobre gastos continua. Ela quer aplicar na prática sua estranha idéia econômica de que despesa corrente é vida. Se essa tendência vencer, toda a musculatura acumulada em três anos pode não ser suficiente para evitar um ano turbulento.