sábado, novembro 26, 2005

MERVAL PEREIRA Dilema tucano

O GLOBO

A demonstração de força que o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, deu ontem na Associação Comercial do Rio, sendo homenageado por mais de 300 convidados entre empresários e políticos, mostra como será difícil ao PSDB sair com um candidato de consenso para a disputa das eleições presidenciais do próximo ano. Quando o governador de Minas, Aécio Neves, diz que o partido não tem candidato natural e se põe no páreo, não para ganhar, mas para impedir que "o que mais quer" seja escolhido automaticamente, complica-se mais ainda a situação do prefeito paulistano José Serra, que é "o que mais quer", e é também o único até o momento que aparece em todas as pesquisas de opinião como capaz de vencer Lula no segundo turno.

É espantoso que, com essa credencial, Serra não seja visto no partido como o candidato natural. O governador paulista insiste na tese de que pesquisas de opinião a quase um ano da eleição não querem dizer nada, e que, por ser menos conhecido do que Serra, tem mais condições de crescer no eleitorado. Essa é uma tese vendida por diversos marqueteiros e tem boa aceitação em setores do partido que, historicamente, sempre foram refratários à candidatura de Serra.

Discute-se internamente no PSDB também o tom que se quer dar à campanha presidencial, e a tese do governador Aécio Neves, de que a radicalização política não é o melhor caminho para o confronto com o PT, tem adeptos de peso, a começar pelo senador Tasso Jereissatti, presidente do partido, que já levou o governador Alckmin para uma visita à Juazeiro do Padim Ciço, numa demonstração explícita de sua preferência.

Abro aqui um parêntese para fazer a correção de uma informação que dei na coluna de quinta-feira: não é verdade que esta seja a primeira vez em que dois não-paulistas ocupam os cargos mais importantes da executiva do PSDB, feito que atribui à ação do governador Aécio Neves contra o peso político paulista no partido.

Na verdade, o peso paulista sempre existiu, a despeito de os postos-chave do partido terem sido exercidos quase sempre por políticos de outros estados. Assim foi em 1994, quando o mineiro Pimenta da Veiga teve como secretária-geral a cearense Moema Santiago; ou o alagoano Teotônio Vilela, que teve como secretários-gerais o amazonense Arthur Virgilio e em seguida o carioca Márcio Fortes.

Tudo indica que o peso paulista continuará influindo na escolha do próximo candidato, até mesmo por que há um consenso no partido de que o governador Aécio Neves é, aí sim, um candidato natural a presidente mais adiante. Se Lula fosse reeleito no próximo ano, como parecia praticamente certo antes de a crise atual explodir, Aécio seria naturalmente o candidato em 2010, depois de ter sido reeleito no governo de Minas Gerais.

Nesse caso, Serra, no meio de seu segundo mandato na prefeitura de São Paulo, teria dificuldades de ultrapassar Aécio. Mas como em política as teorias geralmente perdem para a realidade, o enfraquecimento de Lula embolou a disputa no ninho tucano. Mas Serra já decidiu que só será candidato se houver um apelo do partido, isto é, se ficar claro até abril que somente ele pode vencer Lula. Serra tem um problema difícil de superar: o compromisso que assumiu por escrito de ficar na prefeitura até o fim do mandato, que completará seu primeiro ano no início de 2006.

O apelo tucano precisaria partir, para começar, do próprio governador Geraldo Alckmin, que teria, além de tudo, que se dispor a permanecer no cargo até o fim do mandato para apoiar a candidatura do partido. Em contrapartida, Alckmin faria parte do Ministério de um eventual governo Serra. Parece pedir demais a quem se considera em condições de ser ele mesmo o presidente.

Mesmo que venha a não ser o escolhido pelo partido, Alckmin tem todas as chances de sair vencedor na disputa pela vaga do Senado, ou mesmo de se eleger deputado federal com grande votação, o que o deixaria em condições políticas melhores do que a de ser um ministro demissível a qualquer momento pelo presidente.

Ontem, no Rio, Alckmin iniciou uma nova etapa na sua campanha, assumindo o discurso que agrada muito a Aécio e Tasso. Disse que se for candidato não fará uma campanha contra o PT ou Lula, mas sim olhando para o futuro, com propostas alternativas de governo. Cresce no PSDB a idéia de que a candidatura Serra levaria para a campanha presidencial o acirramento de posições que hoje impera na política nacional, transformando a disputa em uma luta sangrenta que poderia abrir espaço para outros candidatos.

A idéia de que Alckmin é um candidato mais leve, que pode representar o oposto de Lula sem ser agressivo, e o apoio maciço dos empresários e de setores do PSDB e do PFL, tudo faz com que o governador paulista seja um candidato realmente forte no PSDB. Uma questão delicada, mas que terá que ser enfrentada, é a imagem de Serra muito ligada à de Fernando Henrique, que continua sendo o principal líder tucano. Há quem prefira a imagem de Alckmin como proposta de renovação do partido, e não mera repetição dos governos tucanos e da campanha presidencial de 2002.

Mas já não há rejeição a Serra, como houve na campanha de 2002, e a forte posição junto ao eleitorado é o seu principal trunfo. Será muito difícil o partido abrir mão de um candidato apontado pelas pesquisas como favorito, para lançar outro que tenha potencialidade, mas entre na campanha cercado de incertezas. Este é o dilema tucano.