sexta-feira, novembro 25, 2005

LUIZ GARCIA Cuidado: eles cobram

O GLOBO

Eo homem disse: "Estou assumindo o compromisso de acabar com as filas no INSS, melhorando o atendimento das pessoas, até março ou abril. Podem me cobrar!"


A promessa, formal, taxativa, sem condições, partiu de quem realmente poderia fazê-la: o presidente Lula, ontem, em entrevista a radialistas do Rio e de São Paulo.

É o tipo de compromisso que aqueles por dentro das regras do jogo jamais assumem. Sazonados chefes de governo fogem de compromissos taxativos, sem ressalvas, a propósito de problemas históricos, sabidamente sem solução no horizonte. E morrem de medo de datas marcadas. Principalmente se não estão muito distantes.

Os mais espertos sabem que nem tudo depende de sua vontade. Isso não impede o exercício da demagogia, mas ensina a praticá-la com cautela e defesas prévias contra cobranças. Uma boa garantia é nada prometer a curto prazo, sem dar tempo para o leitor esquecer o compromisso jurado e sacramentado. Ainda assim, algum risco sempre existe.

Profissionais escolados fazem promessas bombásticas e juras emocionadas — mas todas blindadas contra compromissos quanto a tempo, extensão, alcance e números de qualquer espécie. É curioso, mas "Não morrerei sem ver esta obra concluída!" é mais seguro para o político do que jurar que no dia tal do mês tal voltará para a inauguração.

Por falta de jogo de cintura, estrepou-se ontem o presidente Lula. Estava com ele na entrevista o ministro da Previdência, Nelson Machado, que não hesitou — bravo cavalheiro! — em dizer aos mesmos entrevistadores que as coisas não eram bem assim. Literalmente:

— Presidente, o nosso compromisso é efetivamente reduzir as filas. Não é amanhã que a gente vai conseguir, mas futuramente, a partir de fevereiro, os resultados vão começar a aparecer. Acabar com a fila de uma vez é muito difícil.

Não sei em quantos países é normal que um presidente prometa alguma coisa, de pedra e cal, e um seu ministro — na lata, como dizem os vulgares — sugira-lhe ir devagar com o andor. Principalmente quando a promessa se refere a um dos sintomas mais dramáticos e mais antigos da incúria oficial. Sem exagero, um crime praticado pelo Estado contra o cidadão. Há décadas.

Não é tema, com certeza, que permita a governantes transformar desejo em promessa. Ao fazê-lo, só conseguem transformar admiração em desconfiança. E isso para os que ainda estão com a bola toda.