Chávez, Kirchner e o Brasil
A política externa da Venezuela está baseada em três pilares. Com o confronto ideológico com os Estados Unidos, o presidente Hugo Chávez busca alcançar dois objetivos: no plano interno, apresentar-se como o paladino destemido que enfrenta o gigante do Norte, que ameaça a independência política e econômica da Venezuela; e, no plano externo, oferecer-se como alternativa de liderança aos países da região que não aceitam nem as propostas nem a liderança de Washington. Com a pletora de dólares obtida com a venda do petróleo, Chávez atrai parceiros comerciais ou cria dependentes de seus favores financeiros. Ou seja, usa os dólares do petróleo como instrumento de política externa. Finalmente, com a retórica desabrida e a ignorância das conveniências diplomáticas, o coronel, por um lado, procura intimidar seus adversários e, por outro lado, dar a impressão ao mundo de que os países que, por cálculo ou necessidade, circulam na órbita financeira da Venezuela partilham as suas idiossincrasias ideológicas - o que nem sempre é verdade. No encontro que teve com o presidente Néstor Kirchner, em Puerto Ordaz, Chávez colocou em prática todo o receituário de sua política externa. Em primeiro lugar, fez questão de dar à opinião pública a impressão de que estava convocando o presidente da Argentina para uma reunião. De fato, foi claro o contraste da atitude dos dois presidentes: Kirchner manteve prudente silêncio sobre o que seria tratado na Venezuela, enquanto Chávez descrevia com minúcias, em seus programas de rádio e televisão e em comícios, as concessões que faria à Argentina, em troca do compromisso de Buenos Aires de apoiar o ingresso de Caracas no Mercosul, como membro pleno, já a partir dos primeiros dias de dezembro. E, não contente em constranger Kirchner com seus ares de grão-senhor recebendo um súdito, Chávez espalhou pelos quatro cantos que o presidente Lula também participaria do encontro, obviamente para sacramentar o ingresso da Venezuela no Mercosul. Lula, que há tempos deixou de ter razões para ser condescendente com Chávez, obviamente não compareceu a uma reunião na qual nada tinha que fazer. Por sua vez, Kirchner, que demonstra uma arrogância aplaudida pelos argentinos quando enfrenta o FMI e o governo norte-americano, não se pejou de ficar devendo mais alguns favores ao coronel Hugo Chávez. O presidente argentino quer adiar o máximo possível a retomada das negociações com o FMI. O problema é que, se não chegar rapidamente a um acordo com o organismo multilateral, a Argentina terá de desembolsar cerca de US$ 5 bilhões em amortizações até 2007, dos quais US$ 2,017 bilhões em 2006. Com isso, as necessidades de financiamento da Argentina atingirão pouco mais de US$ 9 bilhões no próximo ano, dinheiro de que Kirchner não dispõe e que dificilmente conseguirá levantar no mercado internacional, chamuscado pelo default da dívida externa e pelas draconianas condições da renegociação. Quem pode tirar Kirchner da enrascada é Chávez, que já tomou, em nome do Tesouro venezuelano, US$ 950 milhões em títulos da dívida externa argentina e agora se comprometeu a comprar novos lotes de bônus, em valores que poderão variar de US$ 300 milhões a US$ 3 bilhões. Para Kirchner, essa seria apenas uma operação de financiamento. Para Chávez, o negócio foi o prenúncio da criação do Fundo de Financiamento Latino-Americano, na sua megalomania, uma alternativa ao FMI, para países com problemas de balanças de pagamento. Chávez também se comprometeu a fornecer combustíveis para a Argentina, no valor de US$ 450 milhões, e a comprar serviços de engenharia, equipamentos e máquinas agrícolas, e foi firmado um acordo de cooperação técnica que pode resultar na venda de um reator nuclear para a Venezuela. Em troca de tanta generosidade, o presidente Néstor Kirchner comprometeu-se a apoiar o ingresso da Venezuela no Mercosul, como membro pleno, na reunião de cúpula do bloco, que ocorrerá entre os dias 6 e 9 de dezembro, em Montevidéu. Por enquanto, o governo brasileiro não demonstra grande entusiasmo pela idéia.
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