Pago para julgar, o presidente do STF,
Nelson Jobim, decide legislar para que
um dia, quem sabe, possa executar
Fábio Portela
Dida Sampaio/AE |
O presidente do Supremo: rodando por aí com uma nova fórmula para os precatórios |
As ambições do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Nelson Jobim, nunca estiveram tão evidentes. O juiz, que já foi deputado federal, prepara sua volta à política para o ano que vem. Para isso, estuda três opções, todas elas grandiosas: ser candidato a presidente da República, a vice-presidente ou a governador do Rio Grande do Sul. Por enquanto, Jobim evita confirmar oficialmente suas pretensões, mas na prática já está fazendo política. Escolheu até sua primeira bandeira de campanha: os precatórios (as dívidas do poder público reconhecidas pela Justiça). Trata-se de um dos grandes esqueletos do país. O Brasil tem hoje uma verdadeira fortuna em precatórios atrasados: 61 bilhões de reais. O valor corresponde a 7% de toda a dívida mobiliária da União. Governadores e prefeitos alegam falta de recursos e demoram anos, ou décadas, para pagar o que devem. Pela Constituição, a Justiça deveria decretar intervenção em todos os estados e municípios caloteiros, mas a lei nunca foi cumprida sob a alegação de que seria inócua, pois os interventores não poderiam fabricar dinheiro.
O tema é espinhoso, mas Jobim farejou nele uma ótima oportunidade de fortalecer sua imagem no cenário político nacional: se conseguisse desatar o nó dos precatórios, daria uma prova de sua habilidade como administrador público. Pensando nisso, montou o seguinte plano: estados e municípios devem engessar parte de seus recursos para pagar precatórios. O porcentual deverá ser fixado entre 2% e 3% das despesas anuais. Desse montante, 30% serão usados no pagamento de precatórios em ordem crescente de valor. Com o restante do dinheiro, os governos organizarão leilões: quem oferecer o maior desconto sobre o valor do precatório receberá antes que os outros credores. Segundo seus cálculos, esse modelo permitirá, dentro de quinze anos, colocar as contas em ordem. Animado, o presidente do STF saiu em campanha. Primeiro, buscou o apoio do governo federal. Foi recebido pelo ministro da fazenda, Antonio Palocci, que lhe deu seu aval. Jobim foi, então, apresentar sua idéia a políticos de todo o país. Já conta com o apoio de pelo menos cinco governadores: Geraldo Alckmin (SP), Aécio Neves (MG), Germano Rigotto (RS), Paulo Souto (BA) e Lúcio Alcântara (CE). O prefeito de São Paulo, José Serra, também é simpático à idéia. Agora, o ministro busca um parlamentar para apresentar a proposta no Congresso em forma de emenda constitucional, o que deve acontecer na próxima semana.
Mesmo que a idéia encampada por Jobim tenha algum mérito, ela encerra um problema: como integrante do Poder Judiciário, não cabe a ele legislar. Essa é uma atribuição do Parlamento. "O ministro Jobim não tem legitimidade para fazer o que anda fazendo. Como presidente do Supremo Tribunal Federal, ele deve zelar pelo cumprimento da lei, e não negociar a criação de novas leis", diz Flávio Brando, presidente da comissão de precatórios da OAB paulista. Os demais ministros do Supremo também estão desconfortáveis diante dessa espalhafatosa movimentação pública, inédita para um presidente do STF. Em resumo: além de comandar o Judiciário e interferir no Legislativo, Jobim trabalha com afinco para disputar o comando do Executivo no ano que vem. Como diria Lula, quer bater o escanteio e cabecear.