sábado, outubro 15, 2005

VEJA André Petry Pizzas no caminho


"Só o histórico brasileiro de impunidade
explica a satisfação geral com que se
recebe a notícia de que meia dúzia de
deputados será cassada e outra meia
dúzia vai renunciar..."

Quem não quiser fazer papel de bobo deve parar de perguntar se o escândalo do mensalão vai ou não acabar em pizza. É uma indagação despropositada porque o escândalo do mensalão já está cheio de pizzas pelo caminho. Os casos mais graves envolvem os atores mais poderosos da cena – o presidente Lula e o ministro Palocci. Por exemplo:

• O ministro da Fazenda foi acusado de receber propina de 50.000 reais de uma empresa de recolhimento de lixo quando era prefeito, no interior de São Paulo. Mais tarde, descobriu-se que a contabilidade da empresa registrava saques mensais que corroboravam a acusação. E o que aconteceu? Nada. O ministro não foi sequer chamado para prestar explicações. Não foi à CPI nem à polícia. Pizza.

• Uma empresinha do filho do presidente da República recebeu, de bandeja, um investimento de 5 milhões de reais de uma gigante do ramo de telefonia, a Telemar. O investimento é cinqüenta vezes maior que o capital da empresinha. Foi notório favorecimento ao filho do presidente? Não se sabe. Nada aconteceu. Nem o filho do presidente nem seus sócios na empresinha foram chamados para explicar-se.

• O marqueteiro do presidente recebeu 10,5 milhões de reais em dinheiro ilegal, pagos num paraíso fiscal. Quanto a isso, não há dúvidas. Há provas e confissões. E isso quer dizer que a campanha do presidente foi financiada com dinheiro ilegal, dinheiro clandestino. E o que aconteceu? Nada. O presidente acha que tudo não passa de urucubaca e seus súditos saem por aí dizendo que dinheiro clandestino em campanha é coisa normal, corriqueira, desprezível.

• O presidente contraiu uma dívida de 29.000 reais junto ao PT e a dívida acabou sendo saldada. Por quem? Como? Bem, um amigo do presidente diz que pagou, não avisou o presidente de que pagou e não tem comprovante de que pagou. Será que a dívida, na verdade, foi paga pelos butins de Marcos Valério? Não se sabe. Ninguém foi convocado a se explicar. Nem o amigo secretamente generoso de Lula.

Que nome se deve dar à decisão de esconder debaixo do tapete o mensalão de Palocci? O que significa deixar por isso mesmo o estrondoso sucesso financeiro do filho do presidente? E a dívida do presidente, misteriosamente paga? E a campanha do presidente, notoriamente financiada com recursos ilegais? O pior é que a pizza não resulta apenas da ação de governistas, petistas e suspeitos em geral. É também obra da oposição, de tucanos e pefelistas que não têm interesse em promover uma verdadeira faxina no país, até porque também seriam carregados na varrição. Nem querem uma sólida mudança política e institucional do país porque é na bagunça atual que cresceram e é nela que sabem viver. Para a oposição, o ideal é um adversário fraco em 2006, um Lula sangrando, mas vivo, para garantir o teatro.

Só mesmo o vasto histórico brasileiro de impunidade explica a satisfação geral com que se recebe a notícia de que meia dúzia de deputados será cassada e outra meia dúzia vai renunciar... É pouco. É pouquíssimo. É quase nada diante da corrupção que se desvendou ao país.