sexta-feira, outubro 21, 2005

Luís Nassif - Blogs, fóruns e intolerância

Luís Nassif - Blogs, fóruns e intolerância


Folha de S. Paulo
19/10/2005

A disseminação da internet, dos blogs (nos quais o leitor pode se manifestar) e das listas de discussão trouxe novos pontos para a análise da representação da sociedade civil no novo mundo virtual. Em países de democracia madura, esse fenômeno significou avanços significativos no desenvolvimento de novas formas de representação e controle do Estado, complementando a democracia convencional -na qual o eleitor é chamado a se manifestar apenas de tempos em tempos. O espanhol Manuel Castels escreveu obras seminais sobre o tema.
Mas como fica a opinião pública brasileira nessa nova era tecnológica? A classe média midiática -consumidora do chamado jornalismo de opinião- passou a se consolidar no Brasil há muito pouco tempo, porque muito recente é a urbanização brasileira, e parte relevante do período foi tomado pelo regime militar.
Hoje em dia, ter opinião sobre tudo e sobre todos passa a ser um imperativo do cidadão moderno. Mas colocar-se onde, em um mundo de tal complexidade, com tantos temas sendo apresentados e exigindo que o leitor se posicione? Esse dilema torna a opinião pública média bastante suscetível a posições radicalizadas -porque simplificadoras- e a movimentos de manada. Ficar a favor da onda formada confere poder à "minha" opinião, mesmo que não tenha nada de mais substancioso para fundamentá-la.
O maior desafio da mídia é como administrar as demandas desse bicho caprichoso que não chega a ter uma ideologia, que se move por impressões e procura sempre ficar a favor do vento e que trata a "sua" opinião como se fosse uma propriedade particular, intocável. Se o bicho quer sangue, deve-se atendê-lo? Se quer atropelar direitos individuais, deve-se saciá-lo?
O Brasil é uma sociedade com várias camadas arqueológicas. Uma das práticas mais arraigadas, herança das camadas mais anacrônicas, é a idéia da polêmica como um combate de gladiadores, em que vale qualquer arma, do sofisma à desqualificação do oponente, e sempre ter que ter um vitorioso de um lado e um adversário destruído do outro. A boa polêmica não traz vitoriosos. Há o contraditório, a apresentação de argumentos e contra-argumentos e, no final do processo, tem-se as duas partes confluindo para pontos comuns.
Nesse cenário, o que se observa é a fantástica capacidade dessas novas mídias de disseminar esse espírito de intolerância, quando o ambiente é de intolerância; da mesma maneira que disseminou a representatividade em democracias mais maduras.
Recebo e-mails de leitores escandalizados com manifestações de intolerância em fóruns de discussão, com ofensas postadas em blogs, com radicalizações de toda espécie. Os leitores que se chocam, em geral, são os mais bem informados, mas nem tenho idéia de quantos são estatisticamente.
Talvez o Brasil se constitua no primeiro exemplo a se contrapor a essa idéia da internet libertária e democratizadora. E as eleições do próximo ano vão acentuar esse espírito de intolerância.