sexta-feira, outubro 21, 2005

Luiz Garcia - Adeus, nepotes

Luiz Garcia - Adeus, nepotes


O Globo
21/10/2005

De vez em quando, uma boa notícia: a sentença de morte para o nepotismo no Judiciário, por exemplo. A decisão do Conselho Nacional de Justiça, anunciada terça-feira, não abre exceções: é proibido a juízes de todas as instâncias e a chefes de seções e departamentos a nomeação de parentes até terceiro grau.

Também está vedado o velho golpe do nepotismo cruzado: você nomeia o meu e eu nomeio o seu.

O Ministério Público vai pelo mesmo caminho. Enquanto isso, aqui no Estado do Rio já está em vigor emenda constitucional que proíbe dar um jeito na vida de cônjuge, companheiro e parente até terceiro grau: pai, mãe, avós, filhos, netos, bisnetos, tios, sobrinhos, primos e até sogros e cunhados. E vale para Executivo, Legislativo e Judiciário, sem esquecer Ministério Público e Tribunal de Contas.

Não acabou: o projeto de lei que corre no Congresso, também rigoroso e abrangente, tem chances de ser aprovado até o fim do ano. Pelo menos foi o que previu outro dia, quase prometendo, o deputado Aldo Rebelo.

Portanto, há sinais suficientes de que pode ir longe a blitz contra os nepotes. Assim se chamavam sobrinhos de papas, nomeados conselheiros do Vaticano, num tempo, muito antigo, lá onde o Renascimento fazia a curva, em que — diziam pessoas de má-fé (ou de nenhuma fé) — papas tinham sobrinhos que muitas vezes eram a cara dos tios.

Aqui e hoje, alguns dirão que a moralização significará ocasionais injustiças contra parentes competentes. Mas para esses estará sempre aberta a porta do concurso público, em igualdade de condições com os não-nepotes.

Como fontes de possíveis problemas, restarão os cargos de confiança. Quem confia — e, por confiar, nomeia — obviamente deve responder pelo comportamento do nomeado. Não seria má idéia que essa responsabilidade fosse definida em lei. Se o assessor de um ministro, por exemplo, é flagrado em ato de corrupção explícita, seu chefe pode não ter coisa alguma a ver com o crime — mas de alguma forma deveria ser obrigado a expiar o delito que poderíamos batizar de "confiança mal depositada". Poderia ser até pecado venial, mas sem dispensar alguma forma de penitência.

Finalmente, no clima antinepotismo que aparentemente se instala no país, resta um caso que cientistas sociais adorariam chamar de emblemático: o affair José Maurício. É o filho amado do ex-presidente da Câmara dos Deputados, nomeado a pedido do pai para cargo generoso em Pernambuco. No discurso de despedida, o ex-deputado Severino Cavalcanti anunciou ter pedido ao moço que devolvesse imediatamente a boca-rica (se permitem a gíria de antanho). Até agora, alegando uma curiosa necessidade de "não agir de forma açodada", o rapaz não se demitiu.

Há ocasiões em que fica muito bem um pouco de açodamento.