segunda-feira, outubro 24, 2005

fsp JANIO DE FREITAS

JANIO DE FREITAS

O Grande Medo Nem o "sim" nem o "não" venceram o referendo, e quem confiar no resultado aritmético das urnas logo logo perceberá a força do seu engano. O vencedor do referendo foi o Grande Medo. Esse Medo latente, insidioso, que a todos nos faz tão temerosos da arma que o alheio possa ter, quanto temerosos de não ter defesa alguma na aflição. Esse Medo que, antes do ladrão presumido, nos rouba a segurança, e nos faz ver calçadas como campos minados, e em nossos carros nos faz sentir-nos como em trincheiras expostas ao ataque a qualquer momento, em qualquer lugar.
Os dois lados do referendo só foram dois na aparência. São a mesma coisa, dita de duas formas. Nas duas últimas semanas, a ausência de barreira se mostrou com clareza na rapidez com que tanta gente passou, do "sim" ou da dúvida, para o "não". A dúvida provava que as duas hipóteses atendiam ao mesmo sentimento. A mudança, portanto, não serviu a outro senhor, que era único.
Se um lado ou outro aparenta vantagem na contagem das urnas, não faz diferença. O que importa, do mesmo modo para quem votou "sim" e quem votou "não", é extinguir o Grande Medo. E nem um lado nem outro poderia fazê-lo. Todos sabemos muito bem porquê.
Bem, nem todos. "The New York Times", por exemplo, diz ao mundo que a criminalidade no Brasil se deve a que "os brasileiros são muito propensos a atirar uns nos outros". O jornal e seu correspondente no Brasil, o misto de jornalista e humorista Larry Rohter, têm toda a autoridade moral e histórica para tratar da mortandade por tiros. Primeiro, porque falam pelo país dos "serial killers". Além disso, porque representam, na matéria, a experiência das mortandades que os EUA têm praticado em outros países, com variedade e insistência como nenhum outro povo na história - sempre apoiado pelo "NYT", embora com um ou outro quase arrependimento. E, afinal de contas, trata-se do maior fabricante e exportador de armas. Que o "Guardian" e o "Independent" fossem na linha do "NYT" é apenas a força da fatalidade inglesa, de seguir na rabeira dos guerreiros americanos para lembrar-se dos seus tempos de opressora mundial.
Quem votou "sim" e quem votou "não" deu votos igualmente bons. O Grande Medo, em qualquer caso, continua impávido e colosso como se pensou que o país fosse.