Geralmente aguardado com certa ansiedade por analistas do mercado financeiro, mas de leitura difícil para o cidadão comum, desta vez o Relatório de Inflação, divulgado a cada três meses pelo Banco Central (BC), tem um conteúdo que interessa a todos. Sua avaliação positiva do desempenho da economia e suas projeções otimistas justificam a expectativa de um cenário promissor para os próximos meses. É um cenário no qual parece inevitável a queda dos juros a uma velocidade maior do que a decidida pelo Comitê de Política Monetária (Copom) em sua reunião de setembro, quando reduziu a taxa Selic em 0,25 ponto porcentual, para 19,5% ao ano. Apesar de seu título sugerir um estudo limitado à inflação, o documento trata também do desempenho da economia brasileira e dos impactos que fatores externos podem ter sobre a atividade doméstica. Em praticamente todos os itens analisados, as perspectivas são boas. Se não ficar abaixo da meta de 5,1% fixada para este ano, a inflação deve ficar muito próximo dela, não há riscos de gargalos na produção que possam pressionar os preços internos, a cotação do dólar não preocupa, não existem ameaças reais ou riscos iminentes no cenário internacional. A divulgação do Relatório coincidiu com o anúncio, pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), do Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M), de grande utilização pelo mercado financeiro, de setembro. Pelo quinto mês consecutivo, o IGP-M registrou deflação, desta vez de -0,53%. Nos nove primeiros meses do ano, o IGP-M acumula alta de apenas 0,21% e, nos últimos 12 meses, de 2,17%. Como observou o coordenador de Análises Econômicas da FGV, Salomão Quadros, "inflação baixa é boa notícia, é música para qualquer banqueiro central". Talvez os técnicos do BC não concordem. Mantêm, como convém a responsáveis pela política monetária, um tom em que, sempre que possível, fazem prevalecer a cautela sobre o otimismo. Mas, ao contrário de documentos elaborados pelo BC até meados deste ano, que continham um tom sombrio na análise da tendência da inflação, da demanda e da oferta, bem como dos riscos externos, este Relatório, da mesma forma que a ata da reunião de setembro do Copom, vê uma economia saudável. Com relação à inflação, que é sua preocupação central, o BC reconhece que as pressões existentes em 2004 e que se mantiveram até o início deste ano foram superadas. Também estão se dissipando "as incertezas relativas à trajetória da inflação". Até mesmo o risco de o setor produtivo não conseguir atender à demanda, citado em documentos anteriores, deixou de ser apontado como iminente. O Relatório reconhece que há um crescimento razoável de investimentos, estimulado justamente pelo aquecimento da demanda. Assim, "a convergência ininterrupta da inflação para a trajetória de metas e a resultante consolidação de um cenário de estabilidade macroeconômica duradoura contribuirão para a manutenção do processo de redução progressiva da percepção de risco macroeconômico que vem ocorrendo nos últimos anos". A conseqüência disso só pode ser a contínua queda dos juros. Não chega a surpreender que, na avaliação dos fatores responsáveis pela queda da inflação, o Relatório atribua papel fundamental à política monetária. Afinal, quem redigiu o Relatório é também o responsável por essa política. É preciso observar, porém, que, ao atribuir-lhe peso exagerado, o BC procura menosprezar a importância da desvalorização do dólar nos preços internos. Mas de maneira discreta o Relatório reconhece a relevância da questão cambial, embora apenas para responder indiretamente aos que reclamam cada vez mais intensamente a ação do BC para sustentar o dólar. Uma das medidas sugeridas é o desestímulo à entrada de capital financeiro no País. Ao demonstrar que o fluxo de dólar é determinado pelo comércio exterior, isto é, pelo grande crescimento das exportações do País, e não pelos investimentos no mercado financeiro, o BC mostra a pouca eficácia das medidas que estão sendo propostas pelos que se queixam da taxa de câmbio. Diante desse quadro, desenhado por ele mesmo, só por teimosia dogmática o BC não reduzirá mais rapidamente a taxa Selic.
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