terça-feira, outubro 18, 2005

EDITORIAL DA FOLHA DE S PAULO DIFICULTAR A RENÚNCIA

 Com seu ato, os dois deputados federais que renunciaram ontem admitiram a quebra do decoro parlamentar. Deveriam receber a pena prevista para a falta, a inelegibilidade por oito anos. Ao não imputá-la a quem abandona o posto para tentar recuperá-lo no pleito seguinte, porém, a legislação bonifica os que fazem troça com as instituições.
É relativo o argumento de que o eleitorado tem a chance de punir os parlamentares que renunciaram não os elegendo de novo. Isso seria mais factível em um sistema de voto distrital. Nesse modelo, há uma disputa direta entre um número limitado de candidatos por uma cadeira no Parlamento. É mais simples e eficaz aos adversários do candidato que renunciou para não ser punido criticar sua atitude perante os eleitores.
No Brasil, o sistema -todos os candidatos de um Estado disputam as cadeiras que aquela unidade federativa possui na Câmara- é difuso o suficiente para inibir campanhas dirigidas a mostrar as incongruências pessoais de um candidato. Um deputado em geral não se elege apenas com os votos que obtém. Conta sobretudo com a votação total do partido, que é o fator que define quantas cadeiras a agremiação conquistará.
Confiando nesses mecanismos que dificultam, na campanha, a cobrança por faltas cometidas no mandato e em que os eleitores se esqueçam da gravidade dessas faltas, parlamentares sob risco de cassação têm abusado da renúncia desde o escândalo do Orçamento (1993). A Carta foi emendada em 1994 para corrigir em parte o problema: renunciar após a abertura de processo político já não livra da inelegibilidade.
Mas, como se viu de novo ontem, ainda resta uma brecha, transformada em peça de escárnio por políticos que a usam sem cerimônia. Ao todo, cinco deputados se valeram do artifício durante o escândalo do "mensalão". Diante disso, os legisladores deveriam fechar a lacuna de vez, instituindo mecanismo que torne inelegível quem renunciar ou inócua a renúncia, a qualquer tempo, para fins de suspensão de direitos políticos.