A VITÓRIA DO "NÃO" A vitória do "não" no referendo de ontem foi um triunfo publicitário. A frente parlamentar contrária à proibição do comércio de armas e munições mostrou-se mais competente do que os partidários do "sim". Conseguiu pespegar a idéia de que restrições mais severas à comercialização desses itens violaria o direito à autodefesa dos cidadãos.
Uma vitória do "sim" não teria suprimido direitos, tampouco teria implicado a proibição total do comércio de armas, o qual permaneceria lícito para os que possuem porte. Nesse contexto, como esta Folha já se havia manifestado, a própria realização do referendo foi inoportuna. Gastou-se muito dinheiro -algo em torno de R$ 270 milhões- para decidir algo que, qualquer que fosse o resultado, traria pouco impacto concreto.
Quanto à criminalidade, que é a grande preocupação da população, ela não estava em questão no referendo. O objetivo do Estatuto do Desarmamento e da campanha pública de coleta de revólveres mediante indenização -que poderia ter culminado com restrições maiores ao comércio- é o de reduzir os homicídios provocados por motivos banais, no contexto de conflitos interpessoais e rixas. É aquele tipo específico de assassínio que conjuga discussões acirradas ou um desejo súbito e irrefreável de vingar-se de um desafeto com o acesso a uma arma de fogo.
As duas campanhas, que se valeram da desinformação como tática para conquistar o eleitor, acrescentaram ainda uma dose de cinismo ao que já se afigurava como pouco útil.
De toda maneira, a derrota do "sim" não significa que a idéia de desarmamento tenha sido vencida. O Estatuto, exceto por seu artigo 35, continua plenamente em vigor. Cabe às autoridades públicas implementá-lo. Campanhas de coleta de armas, como a encerrada ontem, podem e devem ser de tempos em tempos retomadas. É preciso insistir na tese de que, em uma sociedade madura, as diferenças entre as pessoas não são resolvidas a bala, mas por meio da razão e das instâncias regulares de intermediação de conflitos.