domingo, outubro 16, 2005

Crise está longe do fim, dizem analistas

FSP

RODRIGO RÖTZSCH
ANA PAULA BONI

DA REDAÇÃO

A crise política que se abateu sobre o governo Lula ainda está longe de acabar, embora o governo tenha acumulado vitórias recentes como as eleições de Aldo Rebelo a presidente da Câmara e Ricardo Berzoini a presidente do PT. E, considerando que Lula realmente não sabia das práticas ilegais ocorridas em seu partido e em seu governo, isso não o torna menos culpado das irregularidades. Essa é a opinião unânime de seis sociólogos e cientistas políticos ouvidos pela Folha.
"Não creio [em fim da crise]. A eleição de Aldo Rebelo [para a presidência da Câmara] certamente representou um resultado muito positivo para o governo, mas há muito trabalho e muita investigação pela frente para as CPIs, o Ministério Público etc.", disse o cientista político da UFMG Fábio Wanderley Reis.
Para Rubens Figueiredo, cientista político e diretor do Cepac (Centro de Pesquisa, Análise e Comunicação), a crise já produziu "efeitos de um furacão" e só acabará "quando acabarem as CPIs, com resultados satisfatórios". A crise, diz, "será lembrada na campanha eleitoral" de 2006.
Tanto o sociólogo e ex-ministro da Cultura no governo Fernando Henrique Cardoso Francisco Weffort como o ex-professor titular dos departamentos de Ciência Política da USP e da Unicamp Leôncio Martins Rodrigues acham que é o surgimento de novos fatos que vai determinar o desenrolar da crise.
"A crise não parece próxima do fim, embora possa reduzir de intensidade. O volume de acusações e o número de CPIs começa a banalizar os atos delituosos e a cansar os ouvintes e telespectadores. Mas, se novos fatos aparecerem, a crise deve ganhar novo impulso", disse Rodrigues.
Para Weffort, uma crise desse tipo "se alimenta de informações que surgem surpreendentemente". "Novos depoimentos sempre podem gerar novas informações. Na minha opinião, a protelação da decisão da Câmara em relação aos deputados que foram envolvidos no "mensalão" simplesmente espicha o assunto, mas não creio que diminua o andamento da crise", completou ele.
O historiador Boris Fausto afirma que as denúncias sobre o "mensalinho" contra Severino Cavalcanti e a eleição de Aldo abafaram a crise durante um período, mas que, encerrado esse capítulo, ela volta ao foco e pode se estender até 2006, emendando-se com a disputa eleitoral.
Embora faça a ressalva de que as crises "sempre acabam", a pesquisadora do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro) Alessandra Aldé diz que essa ainda tem "momentos críticos à frente, pois as conseqüências para os envolvidos ainda são incertas".
A proximidade ou não do fim da crise foi uma das seis questões feitas pela Folha aos especialistas. Também foram questionados sobre a responsabilidade de Lula na crise, se a oposição seria motivada eleitoralmente ao não pedir o impeachment, se a banalização do caixa dois faz dele um crime menos grave, qual o significado da vitória de Aldo para o governo e se as CPIs cumprirão seu objetivo. Leia as respostas abaixo.

Não saber do "mensalão" isentaria Lula de culpa?

Reis - O fato de ignorar não o isentaria de culpa ou responsabilidade. É difícil saber o que seria pior: um presidente que se dispusesse deliberadamente a patrocinar ou tolerar práticas impróprias e mesmo ilegais ou um presidente desatento e alheio a suas responsabilidades a ponto de não tomar conhecimento de práticas desse tipo mesmo quando envolvem altos escalões não só do seu partido, mas aparentemente também do seu governo.

Figueiredo - Não o isenta. Ele é o responsável pelo seu governo, em última instância. O conceito da "accountability" deve ser respeitado: o governante tem o dever de prestar contas de seus atos.

Rodrigues - Ignorância não isenta ninguém de culpa. Mas há uma preliminar: mesmo levando em conta que o presidente passa muito tempo fora do país, ele teria que ser muito alienado dos assuntos nacionais para ignorar as denúncias envolvendo seus velhos amigos. Teríamos que acreditar também que os fiéis companheiros estavam o tempo todo o enganando o presidente.

Weffort - Considerando que ele não soubesse, não. Não o isento de responsabilidade, seja por ação, seja por omissão.

Fausto - Duvido muito que não soubesse. Se não sabia, é incompetente.

Aldé - De modo geral, é possível atribuir ao presidente responsabilidade, mesmo parcial, pelos atos do seu governo, como um empresário é responsável por um documento em branco assinado por ele, mesmo que o conteúdo seja formulado por um subordinado. Quanto mais pessoal a delegação de poder -cargos de confiança, escolhidos pessoalmente, e não atribuídos a partidos aliados-, maior a responsabilidade.

Uso sistemático do caixa 2 torna-o menos grave?

Reis -Não, não torna menos grave, além de que as denúncias e investigações apontam para um esquema que parece ter assumido proporções inéditas com o governo petista. A minimização da importância do caixa dois aparece não só por parte do PT e do governo, mas também tem sido feita até por importantes lideranças da oposição: a tal história de distinguir entre o "trigo", que seria o "meu" crime eleitoral, que não tem importância, e o "joio", o crime dos outros, este sim importante.

Figueiredo - Trata-se de uma defesa de cunho eminentemente político, tipo "eu fiz, mas quem não fez"? Isso não torna a acusação menos grave. O que diferencia a ação do PT é a ousadia, a dimensão e a sem-cerimônia com que o esquema foi concebido e operado.

Rodrigues - Sim, porque se trata de algo que, embora ilegal do ponto de vista da legislação partidária, já está legitimado pela prática de todos os partidos e leva a punições mais leves. Por isso mesmo, foi a estratégia adotada pelo PT para justificar os recursos "não contabilizados".

Weffort - Não. É ilegal. Se houve a mesma ação no PT e no PSDB, deve ser igualmente punida.

Fausto - Repetir o modelo tucano não torna menos grave o fato de o PT ter usado caixa dois. E essa história de reduzir o problema a caixa dois é falso. O "mensalão" está bastante evidenciado".

Aldé - Trata-se, evidentemente, de prática ilegal, uma vez que quem investe pesadamente em campanhas eleitorais o faz com expectativa de retorno caso o apoiado seja eleito. O PT tem a culpa adicional de ter sempre defendido a moralização das práticas políticas. Neste sentido, justifica-se a cobrança maior por parte da imprensa e da opinião pública.

Oposição age de forma responsável ou visa 2006?

Reis -Há uma mescla de motivos para a oposição não pedir o impeachment. É preciso admitir a legitimidade da motivação eleitoral dentro de certos limites, e o limite crucial é justamente o de que não haja conluios que impeçam a aplicação da legislação vigente.

Figueiredo - Neste caso, tudo indica que o cálculo político coincide com a responsabilidade. Para as oposições, é interessante que o governo Lula se arraste, moribundo, até as eleições do ano que vem. Isso enfraquece Lula e desfigura o PT. Até agora não foi produzida uma prova incisiva contra Lula. Nessa situação, iniciar um processo de impeachment seria pouco prudente.

Rodrigues - Agir responsavelmente, ou parecer agir, pode render votos. No momento, como não surgiu nada que envolvesse diretamente o presidente, a oposição prefere manter ações de guerrilha contra o governo em lugar de uma guerra aberta.

Weffort - As convicções da oposição não parecem ser suficientemente fortes, do ponto de vista político, para pedir o impeachment. E não vejo maior interesse político da oposição em que ocorra o impeachment.

Fausto - Há uma parte de responsabilidade na oposição de que não vale levar a fundo a questão da culpa contra o presidente, mas há interesse nas eleições de 2006, o que é natural da política.

Aldé - Existe uma avaliação de que o prolongamento da crise pode enfraquecer a candidatura de Lula e do PT em geral. Por outro lado, esta tolerância também pode contribuir para um clima de ceticismo por parte do eleitor: se ele avaliar que são todos iguais, farinha do mesmo saco, isto pode equiparar as condições para a competição em 2006.

A crise está perto do fim, como diz Lula?

Reis - Não creio. A eleição de Aldo Rebelo para a presidência da Câmara certamente representou um resultado muito positivo para o governo (o primeiro desde o episódio Waldomiro Diniz). Mas há muito trabalho pela frente para as CPIs, o Ministério Público etc.

Figueiredo - A crise já produziu efeitos de um furacão. A aprovação do governo despencou, Dirceu caiu, o PT perdeu sua bandeira ética, parlamentares renunciaram e por aí vai. A crise só acabará quando acabarem as CPIs com resultados satisfatórios. Na campanha eleitoral, ela será lembrada.

Rodrigues - A crise não parece próxima do fim embora possa reduzir de intensidade. Um fator importante é a repercussão dos fatos na opinião pública. O volume de acusações começa por banalizar os atos delituosos e a cansar. Mas, se fatos aparecerem, a crise deve ganhar novo impulso.

Weffort - A protelação da decisão da Câmara em relação aos deputados simplesmente espicha o assunto, mas não creio que diminua o andamento da crise. Porque uma crise deste tipo se alimenta de informações que surgem surpreendentemente sempre.

Fausto - A crise ficou abafada por conta da acusação contra Severino Cavalcanti e da eleição na Câmara. As investigações podem esfriar no fim de ano devido às férias parlamentares, mas devem ser retomadas e emendadas com a discussão sobre as eleições.

Aldé - As crises envolvendo escândalos políticos podem durar semanas, meses ou até anos, mas acabam. Atingem seu clímax com a concretização de renúncias, cassações, mas podem acabar com a dissipação do assunto. Acho que ainda temos momentos críticos à frente, pois as conseqüências para os envolvidos ainda são incertas.

As CPIs funcionam ou tendem para acordão?

Reis - Duvido de que seja possível um acordão. Mas, além do que há de confronto entre governo e oposição, há complexidades legais. Se as coisas não forem bem conduzidas, poderiam ensejar resultados que a opinião pública perceberia como "pizza". Acho que há incerteza quanto a isso.

Figueiredo - Não existe planejamento e coordenação, embora seja indiscutível que muitos parlamentares estejam trabalhando com afinco. Também não há pessoal técnico para checar a avalanche de dados compilados. Com a opinião pública no "vácuo" do Congresso, acordão seria suicídio.

Rodrigues - As CPIs funcionam mais ou menos, segundo as provas que aparecem e segundo a composição partidária de cada uma. Conhecendo nossa política, resta torcer para que tudo não termine num pedido de desculpas aos acusados, quem sabe, seguido de uma gorda indenização.

Weffort - Tem gente buscando acordo. Há outros que buscam fazer com que a investigação termine. Não acredito em acordo que a paralise, porque o assunto já tomou uma escala na opinião pública que a frustração com a inatividade das CPIs seria um escândalo maior que o próprio "mensalão".

Fausto - Não acredito que vá ocorrer um acordão, mas a profundidade das CPIs é relativa. Há duas coisas: uma é o volume de informações. Há a parte técnica, que não cabe a deputados. Outra é que há um nível baixo de trabalho. Há quem só queira aparecer.

Aldé - Muitos dos representantes estão mais preocupados com sua imagem. Nem sempre agem tecnicamente. É uma característica de qualquer CPI, pois trata-se de investigação política. Qualquer resultado terá que ser concretizado, depois, na esfera do judiciário.

O que é para o governo a mudança na Câmara?

Reis - É um resultado positivo, apesar do jogo "realista" de pressões, e acho que propiciou um alívio quanto aos efeitos da crise que vêm se desenrolando, e até um ganho institucional. Do ponto de vista da oposição, é claro que teria sido preferível que a Câmara continuasse presidida por Severino.

Figueiredo - Aldo é mais confiável que Severino. Além disso, o governo passa a ter um dos seus na liderança. Com várias CPIs, ter um aliado na presidência da Câmara é um dos poucos motivos para que o governo se sinta mais confortável na crise, se é que algum conforto é possível agora.

Rodrigues - A vitória do Aldo aumentou as chances de o governo lograr um grande acordão. Por isso houve tanto empenho do Executivo para entregar a ele a presidência. Mas uma das conseqüências da busca de apoio de deputados do PTB, PP e PL foi acentuar mais a descaracterização do governo como governo petista.

Weffort - No caso do Aldo eleito, há uma possibilidade de reconstituição da base, não uma certeza. Se não vencesse, seria um fracasso político do Lula. Vencendo o Aldo ele tem uma possibilidade de reconstituir a base.

Fausto - Só o fato de Severino ser substituído já muda [a direção da Câmara] para melhor. O nome de Aldo é problemático, por estar altamente envolvido com o governo e por ter sido testemunha de Dirceu em processo na Casa. Ele não terá condições para ter distanciamento na presidência.

Aldé - É positivo para o governo ter um líder partidário mais previsível, como Aldo. Não parece, no entanto, liderança disposta a se sacrificar politicamente ou a obedecer. Resta ver seu comportamento na condução de votações críticas e na priorização da pauta.