domingo, outubro 23, 2005

AUGUSTO NUNES Um pouco de bom senso sempre ajuda

Um pouco de bom senso sempre ajuda


Em Mato Grosso, a febre aftosa provoca o extermínio de milhares de cabeças de gado. Em Portugal, ao lado de Marisa Letícia, o presidente Lula diz que está tudo dominado. Na fronteira com o Paraguai, técnicos do Ministério da Agricultura confirmam o aparecimento de novos focos da doença. Na Espanha, Lula declara que o problema, restrito a um único rebanho, já foi resolvido.

No Amazonas, a estiagem virou seca, a água sumiu dos rios tão caudalosos, 21 municípios estão isolados e incontáveis brasileiros pedem socorro. Em Roma, o presidente visita o Coliseu de Roma. No Congresso, a briga nas CPIs ameaça desembocar na convocação de um filho de Lula. Na Rússia, o turista aprendiz vai ao Kremlin e à tumba de Lênin.

De volta ao Brasil, esbanjou felicidade. "Nós precisamos viajar o mundo e ir conhecendo as pessoas", ensinou em lulês na quinta-feira. Qualificou de "excepcionais" os resultados do giro europeu. Não explicou os motivos de tanto otimismo. É por isso que dorme o sono dos justos.

"Nada é mais prazeroso para um ser humano do que deitar todo santo dia com a cabeça no travesseiro e dizer: hoje valeu a pena governar este país", aplaudiu-se. Contratempos sempre haverá. "Não acredito em nenhum país que não tenha problema", disse em Moscou. "Se não tivesse problema, não tinha política, tudo se resolvia num convento". Como? O que significa isso? Um homem do povo pode dizer o que quiser, berra o coro dos áulicos.

Não pode mais, replicam os brasileiros que não acham a leitura de livros e jornais "pior que fazer exercício em esteira". Dita pelo presidente da República, a frase nada tem de divertida. É o elogio da ignorância.

Lula deve urgentemente trocar os improvisos maçantes por discursos escritos. Ao menos seremos poupados de gafes e equívocos que envergonham o país. E Lula se livrará do risco de se tornar uma figura folclórica.

Sempre debochamos dos presidentes visitantes que pensavam ser Buenos Aires a capital do Brasil. Internamos Ronald Reagan na ala dos idiotas por ter confundido o Brasil com a Bolívia. Só a Lula se concede a graça de agredir impunemente a inteligência.

Não é preciso cursar a Sorbonne para saber que tapume não é tatame. Não é necessário estudar em Harvard para constatar que todos nascem tão analfabetos como a mãe de Lula: ninguém aprende a ler e escrever ainda no útero. Basta um cálice de humildade para entender que é indispensável informar-se sobre o tema a ser tratado.

Em Lisboa, o presidente responsabilizou os fazendeiros pelo reaparecimento da febre aftosa. "Quem deve cuidar do rebanho é o dono", acusou. É provável que certos pecuaristas tenham culpa no cartório. Mas Lula sabe que as verbas para evitar o perigo foram criminosamente amputadas.

Nenhum chefe de governo tem o direito de agredir os fazendeiros aflitos com a comparação duplamente infeliz. "Estou mais preocupado com a febre aviária que com a febre aftosa", disse em Portugal. Até agora, só existe gripe aviária. E nenhum governante sugeriria ao presidente Vladimir Putin uma aliança entre o Brasil e a Rússia para neutralizar o poderio dos EUA e da Europa. O autor de uma idéia dessas se arrisca a embarcar na nau dos insensatos.

O caso do roubo de euros e dólares guardados na sede carioca da Polícia Federal deixou a pergunta presa na garganta do Cabôco. Depois da história do assalto ao Banco Central em Fortaleza, decidiu esclarecer o enigma: por que a polícia sempre captura todos os culpados e nunca encontra todo o dinheiro? Para ficar bem com os sherloques, o Cabôco anda espalhando que, de tanto ser seqüestrado, o dinheiro aprendeu a fugir sozinho.

Ciro Gomes discorda de Ciro Gomes

Depois de sobrevoar cinco municípios dramaticamente afetados pela seca no Amazonas, Ciro Gomes emitiu dois pareceres. Primeiro: "Como ministro, não fico impressionado, porque estou aqui para resolver o problema". Segundo: "Como pessoa, fico triste e preocupado com o desastre ambiental. A natureza está pregando peças no mundo inteiro".

É um interessante caso de esquizofrenia. O Ciro ministro é ríspido e genioso. O Ciro pessoa é sensível e gentil. É também desinformado. Ignora que a natureza não anda pregando peças naquelas paragens. Seca não é tsunami. É conseqüência do desmatamento praticado por assassinos de selvas. O homem é o culpado. O governo é cúmplice por omissão.

Em Manacapuru, uma mulher em busca de ajuda procurou o Ciro pessoa. Encontrou o ministro, que ordenou: "Fale com o prefeito". Em outra cidade, o prefeito queria falar - para agradecer a entrega de 58 cestas básicas. "Não precisa fazer discurso", cortou Ciro. Quem falava era o ministro, que precisa fazer um curso de boas maneiras com a pessoa.

Refundação homenageada

O troféu da semana vai para Tarso Genro, presidente interino do PT, pela frase que refundou o caixa dois:

"Trata-se de uma questão meramente tributária".

Por essa linha de raciocínio, chega-se a conclusões interessantes. Ferir alguém a tiros, por exemplo, não é tentativa de homicídio, nem é caso de polícia. Trata-se, meramente, de uma questão de saúde.

Sai o jurista e entra o político

O jurista Nelson Jobim é presidente do Supremo Tribunal Federal. O político Nelson Jobim é presidente da Pastoral Parlamentar, criada para proteger congressistas em apuros. Na quarta-feira, decidido a poupar da guilhotina o deputado José Dirceu, o político sentou-se na cadeira do ministro e dirigiu a sessão do STF. Foi um desastre.

Antes da votação, o cabo eleitoral Jobim pediu o apoio dos colegas a Dirceu. Vislumbrada a derrota, passou a interromper explicações dos ministros com observações impertinentes, grosseiras ou insensatas. O STF deveria condená-lo a ler 20 vezes o relatório do deputado Júlio Delgado sobre o caso Dirceu. E convidar Jobim a fazer campanha eleitoral fora dali.

Falta o aval de Azeredo

Os 12 senadores do PT divulgaram um documento com duas promessas destinadas a mostrar que, se não foi refundado, o partido está pelo menos em reforma. A bancada jura que nas próximas campanhas serão diariamente registrados, na internet, a origem e o destino dos fundos arrecadados.

A segunda promessa é espantosa. "Os senadores do PT assumem o compromisso de não utilizar recursos não-contabilizados ou de caixa dois". Tradução: a bancada comunica ao Brasil que vai cumprir a lei. O documento é meio doido, mas muito edificante. Deveria ser assinado também pelo senador Eduardo Azeredo, presidente do PSDB. De caixa dois, esse sabe tudo.

O bom coração do ministro

Durante 40 anos de campanhas, o candidato Paulo Maluf exibiu no peito o distintivo de xerife durão. O bordão não mudava: "Lugar de bandido é na cadeia, e no meu governo prisão vai deixar de ser hotel de luxo. Durante 40 dias de prisão, em companhia do primogênito Flávio, Maluf decerto decidiu arriar a velha bandeira.

Cadeia não é lugar para bandidos milionários, descobriu. E é muito pior que o pior dos hotéis, informava a fisionomia de Maluf na quinta-feira, quando recuperou a liberdade por decisão do Supremo Tribunal Federal.

Permaneceu no cárcere na Polícia Federal graças à coragem de juízes e promotores dispostos a aplicar a lei, seja quem for o delinqüente.

Saiu pela porta do STF. Depois de tantas derrotas nas urnas, ganhou por 5 a 3 a eleição das togas. O ministro Carlos Velloso, relator do caso, votou a favor do réu induzido pela emoção. "Imagino o sofrimento de um pai preso na mesma cela com o filho", explicou.

Isso não acontece a pais que respeitam a lei e ensinam o filho a agir com decência. Só acontece a quem, além de pecar, transforma o filho em parceiro de pilantragens. Os libertadores dos Maluf também não levaram em conta os milhões de dólares no exterior. Foram expropriados de brasileiros que sofrem muito mais.

Severino vai ajudar Dirceu

Severino Cavalcanti está sem tempo para livrar da cadeia os bêbados e arruaceiros de João Alfredo, onde nasceu. Dias depois de renunciar à presidência da Câmara por extorquir mensalinhos, voltou a Brasília para ajudar a eleger o sucessor. "Consegui uns 40 votos para o Aldo Rebelo", gabou-se.

Nesta semana, já em campanha para as eleições de 2006, reapareceu no Planalto puxando uma procissão de prefeitos pernambucanos. "Vim pedir a liberação das verbas", informou. O cortejo visitou vários ministérios. Sem testemunhas, Severino conversou num hotel com José Dirceu, a quem prometeu ajuda na luta para escapar da cassação. "Os deputados gostam muito de mim", sorriu.