sexta-feira, setembro 02, 2005

Villas-Bôas Corrêa O governo qual pluma ao vento

JB

Como jaca madura que despenca do galho, espatifa-se no chão e apodrece ao sol e à chuva, o governo do presidente Lula e do agonizante Partido dos Trabalhadores dá a impressão que, se não acabou, está nas últimas, doente desenganado, mantido intubado na UTI, com soro na veia e equipe médica à cabeceira.

Se o presidente precisa encontrar culpados para distribuir carapuças nos improvisos da maratona que o mantém o mais tempo possível longe do Palácio do Planalto, basta mirar-se no espelho ou dedicar minutos de reflexão solitária sobre os erros em série do seu desastrado mandato.

Nada aconteceu por acaso ou pelas artes do azar. Até porque não se desperdiça à toa o capital fantástico da eleição por mais de 52 milhões de votos, nem se malbarata a esperança da maioria da população, que torceu pelo sucesso do líder popular que prometia mudar o país.

A derrota desestabilizadora, que deixa o governo no ar como pluma ao vento, com a derrubada do veto presidencial ao reajuste de 15% dos salários dos servidores da Câmara e do Senado é um elo a mais na comprida corrente, que vem sendo montada desde a posse.

Dispara o alarme de incêndio no edifício das instituições com a estridência do escândalo recordista de corrupção, as mutretas do mensalão e do caixa dois, a rebelião do corporativismo do Congresso, largado às traças com o desmanche da base parlamentar governista.

Os números são de arrepiar a penugem do pânico diante da insegurança do futuro. A média de salários no Legislativo salta de R$ 9.500 para mais de R$ 10 mil, com o aumento da folha de pagamento de R$ 600 milhões, batendo no teto de mais de R$ 4 bilhões por ano.

Se o governo perder o anunciado recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF), alegando a inconstitucionalidade da decisão do Congresso, a cascata da gastança parlamentar inundará as assembléias legislativas e câmaras municipais, arrombando orçamentos de estados e municípios com o pires da mão.

Daqui para diante, andaremos com os olhos vendados. Tal como se anunciava em advertências desconsideradas pela arrogância. Desde a insensatez da montagem do monstrengo de 35 ministros e secretários a evidência da ojeriza de Lula à rotina administrativa, ao despacho com ministros, ao estudo de projetos, propostas, de documentos com mais de dez linhas. Governo à matroca, com a presidência ocupada pelos virtuais presidentes em exercício, a princípio o encalacrado deputado José Dirceu e agora, pela ministra Dilma Roussef.

Dois anos e oito meses de paralisia, com raros êxitos setoriais e os refrescos dos índices otimistas na estabilidade econômica e na retomada do desenvolvimento, graças à teimosia do ministro Antonio Palocci. É pouco. Não podia dar e não deu certo.

A roubalheira que as CPIs dos Correios, do Mensalão e dos Bingos vêem comprovando, aos trancos e tropeços, driblando críticas, enfrentando resistências e retificando rumos, arranha a porta dos gabinetes do Planalto.

Cobranças e censuras ajudaram a colocar as coisas nos seus lugares. As CPIs acertaram a cadência, começam a juntar as peças e anunciam relatórios concordantes, sem atritos.

E, no embalo, jogaram na cesta as reprimendas da incompreensão e das análises apressadas. O que emperrara e não conseguia deslanchar era o exame, a análise das pilhas de documentos, que lotam salas da Câmara e do Senado e reclamam a competência de especialistas para serem destrinchados.

A essencial tarefa silenciosa da retaguarda não se atrita com o espetáculo das inquirições, como observa, com lógica irretocável, o escritor e jornalista Milton Temer, em artigo publicado na edição de 30 de agosto no JB.

É o show que atrai a cobertura maciça das redes de TV e emissoras de rádio, enche páginas dos jornais e revistas. E mobiliza da opinião pública, provoca e sustenta a indignação que invade o Congresso e alimenta a pressão indispensável para impedir os acertos e conchavos por baixo do pano para urdidura das fórmulas de impunidade.

Excessos do exibicionismo, de violência verbal com o entreato de cenas de agressão pessoal não são apenas inevitáveis. Mas, necessárias, fazem parte do espetáculo, atraem a atenção popular, alimentam as discussões nas ruas, nos cafés, nas reuniões domésticas.

Sem o show, as CPIs já teriam sido soterradas pelo esquecimento, morreriam à míngua do desinteresse da opinião pública.

E o governo estaria esfregando as mãos, suspirando de alívio com o sucesso da operação do abafa e os devidos agradecimentos ao deputado Severino Cavalcanti.