sexta-feira, setembro 02, 2005

EDITORIAL DE O GLOBO Questão de ética




Assim como furacões devastadores são formados pela coincidência de algumas condições meteorológicas, a assustadora demonstração de irresponsabilidade dada quarta-feira pelo Congresso, ao derrubar veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a um aumento extemporâneo da folha de salários e custeio da própria Casa, ocorre também pela existência conjugada de alguns fatores.

O mais visível deles é o já constatado esfacelamento da base partidária do governo, provocado pelo escândalo do dinheiro sujo do valerioduto delubiano. Também à vista de todos, continua a exercer seu papel daninho, corrosivo sobre a vida parlamentar o controle que o baixo clero passou a exercer na Mesa na Câmara dos Deputados, com a vitória de Severino Cavalcanti, do PP pernambucano, na disputa pela presidência da Casa. Junte-se a isso mais uma demonstração de oportunismo da oposição, equivalente àquela dada no apoio concedido a Severino na escolha do novo presidente da Câmara.

O resultado é a subordinação do Legislativo a corporações como a do funcionalismo público e a interesses fisiológicos, duas das mazelas encontradas com grande facilidade nos gabinetes e descampados de Brasília. Só mesmo a junção de tantos fatores negativos pode explicar por que o Congresso desrespeitou de maneira tão grave os princípios da boa administração fiscal e, por tabela, o próprio contribuinte. O aumento de 15% aos servidores do Congresso confirmado na quarta-feira também beneficiará os parlamentares, por reajustar as verbas de gabinete. Ou seja, com a própria caneta deputados e senadores se deram dinheiro do Tesouro Nacional de forma inaceitável.

Calcula-se que a farra custará R$ 500 milhões adicionais por ano aos contribuintes, para ajudar uma casta cujo salário médio é de R$ 9.500 mensais. E tão sério quanto isso é o efeito cascata que a benesse salarial deverá provocar em outras categorias da máquina pública. Com isso, o Orçamento da União, que tão poucos recursos já destina aos investimentos e a outras áreas importantes, poderá ficar ainda mais desequilibrado.

Não resta portanto outro caminho ao governo do que contestar. Mesmo que não fosse por razões fiscais, a decisão do Congresso deveria ser repelida por ir contra a ética pública.