O GLOBO
O mercado acha que a economia vai bem a ponto de começar a apostar na melhora da classificação de risco-país. Aliás, está tudo bem com os países emergentes em geral, até com Venezuela e Argentina, que, por razões diversas, poderiam ser vistas com reservas. O banco Lehman Brothers acha que a situação lembra o desenho animado em que o coiote, correndo, sai do chão e fica suspenso no ar no meio do precipício. Só cai quando olha pra baixo.
"Don't look down" (não olhe para baixo), recomenda o banco na sua análise sobre o excesso de otimismo em relação aos emergentes. No curto prazo, no entanto, admite que os títulos do Brasil podem se valorizar diante dos indicadores econômicos que tem demonstrado.
Sobre a chance de upgrade do país, nenhuma agência antecipa suas decisões, mas Regina Nunes, diretora da Standard & Poor's no Brasil, admite que os indicadores estão melhores do que normalmente se espera de um país BB-(faltando três degraus para chegar ao desejado investment grade , ou recomendável como bom investimento):
— Não se vê no Brasil algo que possa gerar problemas. O problema político só influencia quando há risco de interferência na política econômica. Eu, pessoalmente, acho que os números do Brasil estão fortes para uma economia BB-, mas mudanças de rating exigem reformas e, no Brasil, não se fala em reformas. O país tem dado sinais de melhora, tem excelentes resultados do ponto de vista dos números.
Nesta galáxia distante, a do mercado financeiro, tudo está bem: o país cresce, exporta mais e melhora vários indicadores econômicos. Na política, esta é a semana que termina sem que haja presidente numa das casas do Congresso, em que caiu mais um pouco a popularidade do presidente Lula, em que não se vê ainda no horizonte, por mais que estiquemos a vista, o fim razoável para esta crise. A população perde, cada vez mais, a confiança nos políticos em geral, isso é que assusta.
Políticos flagrados com bocas na botija culpam a elitezinha, a direita, a imprensa, a oposição, forças conservadoras, inimigos, conspiradores. Todos os culpados são "os outros". Para fugir da punição, parlamentares renunciam, aposentam-se, alegam invalidez. Antes de depor, suspeitos pedem ao Supremo o direito de mentir. Até a Polícia Federal, esta semana, enrolou-se numa série de versões para um roubo dentro de suas dependências.
O historiador José Murilo de Carvalho rechaça de forma veemente a tese de que há uma conspiração contra o governo do presidente Lula. Tese essa que tem sido defendida pelo governo e por alguns intelectuais:
— Por que a elite econômica iria querer mudanças? Os bancos estão indo muito bem. Que há um certo preconceito social contra Lula, isso há, mas quem estragou tudo foi o partido, não pode se inverter isso. É paranóia, é falta de capacidade e de um mínimo de autocrítica de ver que houve um caso sério, que se precisa processar. É um grau muito pouco elaborado de intelectualidade. O intelectual tem que ser capaz de processar as idéias.
Ele acha que o pior deste caso é exatamente a diluição da confiança nos políticos e, portanto, na democracia.
— O PT cometeu estelionato eleitoral, porque fazia parte do projeto que sempre vendeu ao país uma forma diferente de tratar o dinheiro público. Esta mistura entre o público e o privado é exatamente o problema brasileiro: o patrimonialismo — comentou.
O historiador acredita que, até nos pequenos detalhes desta crise, está registrada a marca do patrimonialismo, como na declaração do presidente Lula de que "o PT tem mais é que pagar a minha viagem", apesar de ter usado para isso recursos do fundo partidário. Mas o Brasil não foi sempre assim.
— Dom Pedro II pagava suas próprias viagens, às vezes, até com empréstimos bancários. Na sua segunda viagem, a Câmara quis votar uma lei especial para pagar suas despesas e ele recusou. Na República Velha, de certa forma, também teve separação entre público e privado. Isso só começou a mudar na Revolução de 30, quando o Estado começou a crescer muito — contou o historiador.
José Murilo acha que o governo Lula ficará marcado por este episódio de corrupção. Pensa que, se ele conseguir um segundo mandato, será um governo fraco: Lula perdeu a força, o partido será menor, sua relação com o PT "já está estressada", e terá dificuldades de fazer alianças.
O cenário político continua muito incerto e um país com crises políticas recorrentes não é capaz de tocar um projeto vigoroso que garanta o crescimento sustentado. Portanto, as previsões econômicas de melhora continuada de determinados indicadores econômicos têm esta fragilidade: como será possível avançar em reformas, reduzir de forma substancial o custo de capital, reduzir o custo da dívida, melhorar a qualidade do superávit fiscal com uma desarticulação política dessa ordem? A maioria dos políticos brasileiros não dá o menor sinal de que entendeu a dimensão da crise e o que está em risco. Basta ver a maneira casuística como é encarada a sucessão na Câmara, ou a insensatez fiscal de certas propostas aprovadas recentemente pelo Congresso.
Na economia, garante-se que o país está firme. Espera-se que não seja tão firme quanto o coiote antes de olhar para baixo.