Dirceu vai ao Conselho de Ética livre do sentimento de lealdade acima de tudo Se prevalecer o que lhe manda a emoção e o andamento dos trabalhos assim exigir, o deputado José Dirceu não terá maiores preocupações em proteger o presidente Luiz Inácio da Silva em seu depoimento hoje no Conselho de Ética da Câmara.
Dizer que Dirceu está aborrecido é fornecer uma tradução amena do estado de espírito do ex-ministro da Casa Civil, cujo ressentimento em relação ao presidente da República tem ampla motivação: vai da forma como foi descartado do governo até a indiferença com que está sendo tratado desde então.
Não recebeu um telefonema, nem mesmo um sinal de que no Palácio do Planalto haveria disposição ao diálogo ou pelo menos a um gesto de solidariedade. Portanto, não considera que tenha deveres de lealdade a cumprir em relação ao governo e ao presidente em particular.
O José Dirceu que senta hoje no Conselho de Ética na condição de réu diante de deputados até há pouco tempo temerosos, reverentes e dispostos a fazer qualquer negócio por minutos de sua atenção é um homem sobretudo magoado por ter sido apeado do poder. E sem contemplação.
Seu comportamento será pautado pelo atendimento de seus interesses jurídicos e políticos. Em princípio, cuidará apenas da própria defesa, fazendo de início um pronunciamento referido em sua trajetória política e, depois, nos questionamentos, vai se preocupar em mostrar que as acusações a ele imputadas são infundadas.
Este é o plano, o que não quer dizer que será seguido à risca. Tudo vai depender do andamento e do tom das perguntas. A idéia de José Dirceu e a orientação dos advogados é evitar o confronto, a exacerbação de ânimos.
Mas, na hora, ninguém sabe o que pode acontecer. Por isso mesmo é que se pode esperar tudo, inclusive a exposição nítida da relação de hierarquia entre os atos de Dirceu e a conduta do presidente Lula.
Convém não esquecer uma das últimas declarações públicas do então ministro da Casa Civil, dando conta do perfeito conhecimento do presidente a respeito de tudo o que ele, como subordinado, fazia.
Para resumir, José Dirceu não irá ao Conselho de Ética com a disposição primeira de transferir responsabilidades a Lula, mas não vai também imbuído do espírito de sacrifício solitário dos que se dispõem a morrer por uma causa perdida.
Um sinal disso o ex-ministro já deu quando deixou que aliados seus divulgassem que ele por três vezes tentou afastar Delúbio Soares e foi impedido.
De acordo com a história contada pelos deputados Paulo Rocha, José Mentor e Professor Luizinho logo após uma visita a Dirceu na semana passada, Delúbio não saiu da secretaria de finanças do PT porque "não deixaram".
Segundo um poderoso interlocutor de Dirceu, esse sujeito indeterminado tem nome, sobrenome, endereço, profissão e cargo por todos amplamente conhecidos.
Encontros
Amigos de José Dirceu indicam que há uma forma simples de demonstrar a estreita ligação de Delúbio Soares com o presidente Lula.
Basta mapear o número de vezes que o ex-tesoureiro foi recebido pelo presidente e cotejar com a quantidade de encontros de Lula com Dirceu.
Proporcionalmente às funções de um e de outro, garantem que Delúbio esteve mais bem atendido durante os últimos dois anos e meio.
Isonomia
Na avaliação do alto comando da CPI dos Correios, é inexorável a aprovação da convocação de José Dirceu a ser votada hoje de manhã pelo plenário da CPI.
Em contrapartida, torna-se inevitável também a convocação do senador e presidente do PSDB, Eduardo Azeredo. O tucano quer fazer um pronunciamento espontâneo, mas os petistas não abrem mão de convocá-lo, até por uma questão de isonomia no quesito constrangimento político.
A sessão de votação de requerimentos será antes do depoimento de José Dirceu e a expectativa é de que o clima seja de guerra entre governistas e oposicionistas.
Redoma
Sexta-feira passada o presidente da CPI dos Correios, senador Delcídio Amaral, fez saber ao presidente Lula que acharia útil uma troca de informações e análises, até para permitir ao governo traçar um cenário mais preciso da crise.
O emissário da mensagem foi o ministro da Articulação Política, Jaques Wagner. Até ontem à tarde, o senador não havia recebido sinal de que ao presidente Lula interessasse ouvir o relato proposto.
Aliás, em nenhum momento da crise ocorreu qualquer manifestação nesse sentido.
Esse distanciamento poderia ser positivo e denotar respeito à independência da função exercida por Delcídio Amaral, não fossem as pressões explícitas e implícitas sobre o presidente da CPI, principalmente no início dos trabalhos, quando o governo ainda nutria ilusão sobre a possibilidade de exercer algum controle.
O desinteresse do presidente por avaliações realistas traduz, antes, uma opção pelo otimismo fantasioso.
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