EDITORIAL de O ESTADO DE S PAULO | |
Há quatro meses, quando se con venceu de que não poderia impedir a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar denúncias de corrupção, o governo manobrou para que funcionassem, não uma, mas três CPIs - a dos Correios, a do Mensalão e a dos Bingos. O governo não estava interessado nas investigações de três diferentes delitos. Como a origem de todos eles era uma só, tratou de pulverizar o processo de apuração, multiplicando oportunidades para que os parlamentares se deslumbrassem diante das câmeras de televisão que transmitem as sessões das CPIs. Com isso, aumentou a probabilidade de que as investigações fossem embaralhadas, as vaidades fossem maiores do que a objetividade que esse tipo de apuração requer - e as CPIs tivessem um fim melancólico. Sobre esse risco adverti mos mais de uma vez, em editoriais, entendendo que a CPI dos Correios, por ter sido a primeira a funcionar, deveria se encarregar da investigação de todos os aspectos do escândalo, aliás, indivisível por terem todos os fatos sob suspeita a mesma origem e os mesmos autores - um esquema montado por altos dirigentes do PT para financiar campanhas ilegalmente e para alugar parlamentares aliados. O estratagema do governo deu resultado. As três CPIs disputam entre si a primazia da convocação de testemunhas e acusados e, como não existe coordenação, acabam convocando a mesma pessoa - que certamente prestará o mesmo depoimento três vezes. A CPI dos Correios, por exemplo, aprovou às pressas a convocação do doleiro Toninho da Barcelona, depois que as CPIs do Mensalão e dos Bingos fizeram o mesmo. O banqueiro Daniel Dantas, dono do Banco Opportunity, está sendo chamado pelas CPIs do Mensalão e dos Correios para explicar a mesma coisa: por que as empresas de telecomunicações que ele controla transferiram verbas para as agências de publicidade de Marcos Valério de Souza, o operador do mensalão. A disputa para ver qual comissão de inquérito mais sedestaca chega a absurdos. Na quarta-feira, a CPI dos Correios quebrou o sigilo de três fundos de pensão. No mesmo dia, os presidentes desses fundos foram ouvidos em sessão secreta pela CPI do Mensalão. Decerto por não considerarem que haviam explorado suficientemente esse filão propagandístico, na quinta-feira a CPI do Mensalão aprovou a quebra do sigilo de 11 fundos de pensão, passando na frente da CPI dos Correios. E, para consa grar a tunda aplicada nos rivais da CPI dos Correios, os membros da do Mensalão convocaram os dirigentes de fun dos que haviam deposto na quarta-feira. Só que, desta vez, terão de repetir a performance diante de microfones e câmeras de televisão. Não bastasse a duplicação de esforços e muito trabalho inútil para a apuração do escândalo, enquanto não é possível fazer-se um acordão, faz-se um acordinho. Para evitar a quebra do sigilo bancário do presidente do Sebrae, Paulo Okamotto - aquele que diz que pagou a dívida contraída por Lula junto ao PT -, pela CPI dos Correios, a liderança do governo pagou um preço: foram desconvocados a gover nadora Rosinha Mateus e seu marido Anthony Garotinho, que deveriam prestar depoimento na CPI dos Bingos. O presidente da CPI dos Correios, senador Delcídio Amaral, alerta: 'Não podemos passar uma imagem de desordem que só vai atrapalhar as investigações e passar para a opinião pública que queremos fazer uma grande confusão para não se apurar nada.' Preocupa se com grande atraso. As CPIs não estão analisando e cruzando os documentos recebidos; convocam para de por pessoas que pouco podem contribuir para a elucidação dos fatos; seus membros envolvem-se numa disputa de vaidades. Querem mudar a imagem que já se forma deles? Pois comecem por proibir a transmissão ao vivo dos depoimentos pela TV - o que acabaria com o estrelismo de parlamentares. E trabalhem com objetividade e afinco. A CPI de PC Farias, que culminou com o processo de cassação do presidente Collor, funcionou durante 85 dias. A dos Correios igualará essa marca essa semana e não se sabe quando terminará. | |