quarta-feira, agosto 31, 2005

CLÓVIS ROSSI Os crimes e os "severinos"

FOLHA DE S PAULO

  SÃO PAULO - Indignado com a pizza gigantesca que o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, defende com a maior cara-de-pau? Muito bem. Mas é injusto circunscrever a indignação a Severino. Ele é apenas a cara e o espírito da Câmara dos Deputados, tanto que 300 de seus pares o elegeram presidente.
Elegeram-no porque o mundo político faz tempo perdeu a característica de representar o tal de povo (se é que a teve algum dia) .
Salvo uma dúzia de exceções, os congressistas representam a si próprios e a seus interesses, eleitorais ou, pior ainda, financeiros. Ser deputado/senador tornou-se profissão, cuja finalidade é, na melhor das hipóteses, reeleger-se. No pior dos casos, é fazer negócios. Não raro, sujos.
Tanto é assim que muitos confessaram ter recebido dinheiro de caixa dois, como se fosse banal. Não é, ensina o jurista Ives Gandra: mesmo que o dinheiro não tenha saído dos cofres públicos (o que seria corrupção pura e simples, ainda a ser provada), quem recebeu do PTduto tem que declarar à Receita Federal sob pena de cometer crime contra a ordem tributária (lei 8.137).
É indecoroso, mas Severino fez campanha prometendo, justamente, defender esse mundo como ele é, com suas obscenidades.
Nada mais natural, portanto, que continue agora a defender seus pares, mesmo os réus confessos.
É possível tornar ao menos menor a gigantesca pizza oferecida por Severino? Depende, a rigor, da TV, em especial da Rede Globo (já que os eleitores, salvo uma ou duas exceções, não se mexem mesmo).
Se o "Jornal Nacional" continuar a apimentar com indignação o seu noticiário sobre a crise e sobre a falta de punições, pode abalar os "severinos" que são maioria no Congresso.
Para os jornais indignados, "severinos" nem dão bola, porque sabem que seu eleitorado não os lê. Nem chegam aos grotões, aliás, onde "severinos" são eleitos porque mandam soltar motoristas bêbados.