FOLHA DE S PAULO
Já não é o primeiro nem o terceiro. Na semana passada, tivemos de ouvir mais dois sermões de economistas coroados pelo establishment internacional alertando contra o efeito deletério da nossa "política" de juros. Dessa vez, foi Kenneth Rogoff, ex-FMI e agora na Harvard. A caminho da serra da Mantiqueira, para se reunir com homens de finanças de São Paulo, deu entrevista à Folha (25/ 8, pág. B3) na qual lamentou que, enquanto o juro é baixo, lá fora -a principal vantagem do Brasil-, a principal desvantagem é ter taxa alta demais, aqui dentro.
Fazendo coro com o colega, o também americano Paul Krugman, festejado professor e colunista, também desancou em cima dos juros. Krugman, ex-conselheiro da falida Enron, hoje sabe muito bem como é perigoso não dar atenção a pequenos indícios de desequilíbrio. A Enron, gigante da energia no mercado americano, com fortes investimentos até no Brasil, quebrou "de surpresa", até para quem estava sentado lá dentro, como o experiente Krugman, ouvindo a xaropada das reuniões de conselho, em que só coisas boas e relatórios favoráveis eram apresentados. Se houvesse essa palavra em inglês, alguém teria lembrado de dizer nessas reuniões que a Enron estava "blindada".
Nada pior do que a aparência de tranqüilidade, quando todas as outras circunstâncias são desfavoráveis. O ministro Furlan, na sua habitual bondade, reafirmou que a economia "vive um momento de tranqüilidade". Lembro-me dos lindos dias de sol em Nova Orleans, logo antes da passagem do furacão Katrina.
Como Krugman, ou Rogoff, também Stiglitz, o midiático Prêmio Nobel que veio a São Paulo ministrar palestra, a caminho de Buenos Aires (..."a Argentina vai muito bem, sobre o Brasil, o júri ainda não decidiu..."), não perdeu oportunidade de estabelecer a injusta comparação entre a inadimplente Argentina e seu bom vizinho Brasil, cujo absoluto rigor no cumprimento das obrigações financeiras internacionais não lhe tem rendido outro destaque além de ser igualado a quem não paga suas contas.
Tem mais. Antes desses, tivemos a visita do metálico John Snow, secretário do Tesouro americano que, embora não querendo imiscuir-se em questões internas, não poderia sair daqui sem manifestar sua incompreensão quanto ao nível dos juros no Brasil.
Até o circunspecto John Williamson, pai presumido do malvado "Consenso de Washington", andou dando uns pitacos contra o juro. Disse coisas que economistas coroinhas, no Brasil, prefeririam não ouvir, menos ainda repetir: "Está na hora de baixar juros, mesmo que a inflação suba um pouco -diminuir a diferença...".
Enquanto isso, chegamos a setembro sem que o Banco Central tenha desistido de envergar sua armadura de D. Quixote para investir contra os moinhos de vento da inflação. Alheio ao conceito básico de moeda estável e forte -aquela que todos demandam e retêm sem necessidade de juros altos-, o aprendiz de feiticeiro repete a ladainha dos economistas do circuito internacional, deixando atrás de si um rastro de centenas de bilhões de reais de excesso de juros pagos ao longo da prática do regime de metas de inflação, ao que se soma o prejuízo ainda maior do crescimento perdido nos últimos anos e a destruição de alguns milhões (!) de postos de emprego, sacrificados pela artificial apreciação do real perante as moedas dos concorrentes.
Calcula-se que, para cada 10% de valorização artificial do real, a mão-de-obra empregada na indústria paulista recue cerca de 5%, segundo um teste estatístico realizado com dados de 1975 a 2005. Portanto não há virtude numa política que sacrifica crescimento e emprego para manter a precária estabilidade dos preços, como essa recém-alcançada pela momentânea deflação do IGP.
Já tivemos o duvidoso benefício de vivenciar muitas outras heterodoxias, especialmente o congelamento de preços e salários, que alguns, da academia internacional, chegaram a aplaudir, nem por isso fazendo daquela estupidez nenhuma idéia brilhante. Foi com tal sandice, entretanto, que muitos políticos chegaram a ter 90% de popularidade, por uns tempos...
Hoje, não se passa muito diferente. O juro alto, atuando sobre o câmbio para apreciá-lo artificialmente, "congela" preços e salários, sem decreto de congelamento. Embora método mais ardiloso e sofisticado, trata-se da mesma heterodoxia de sempre. Até os gringos já conseguem perceber que algo está errado.