O Globo
E assim se passaram 77 dias, desde que surgiu a primeira denúncia, lembram-se? — uma gravação mostrando um obscuro Maurício Marinho, chefe de departamento dos Correios, fazendo escorregar da mesa para seu bolso, da forma mais natural e descarada, um maço de R$ 3 mil de suborno. Era uma merreca, uma gorjeta, diante do que viria a seguir: o maior escândalo político-financeiro envolvendo Legislativo e Executivo, corruptos e corruptores. Mas foi a partir daí que o país passou a mostrar as tripas, por meio de entrevistas à imprensa e depoimentos no Conselho de Ética da Câmara e, principalmente, na CPI. Em matéria de corrupção, uma velha conhecida, jamais se vira nada igual em volume, escala e extensão. Pode-se dizer que nunca mais o Brasil será o mesmo. A não ser que...
A não ser que prevaleça a tradição e que se tente botar panos quentes, usando expedientes costumeiros entre nós, como as operações de abafa e de deixa disso. A primeira tentativa ocorreu esta semana na Câmara, com o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, querendo retirar as acusações que fizera contra o deputado Roberto Jefferson para evitar a cassação mútua, já que, em troca, este não denunciaria aquele nem os seus colegas de partido. Assim, ninguém seria cassado.
As reações abortaram a manobra (pelo menos por enquanto), mas outros riscos menos grosseiros ameaçam a CPI, entre os quais a possibilidade de ver seus membros soterrados por 500 quilos de documentos já armazenados em sua sala-cofre. Como selecionar, qualificar e processar esses papéis, que são mais fundamentais para as investigações do que todo o blablablá diante das câmeras, pois é lá que estão as provas e não apenas as versões?
Apesar do excesso de show, a CPI tem feito o seu papel e servido até para popularizar a política no horário da tarde. Resta saber o que acontecerá se as apurações avançarem para trás, digamos assim. Aos primeiros sinais disso, viram-se coisas curiosas: de um lado, o governo indo buscar álibi no passado do adversário para justificar os próprios maus passos éticos do presente; de outro, o ex-presidente FHC inaugurando a ética com prazo de validade — e o do seu governo, claro, já expirou.
Por isso é que um elogiável movimento como o proposto pelo senador Jefferson Peres, no sentido de garantir a estabilidade institucional através de um compromisso dos partidos, precisa tomar cuidado para não ser desvirtuado e, em vez de pacto, virar um tango (já que outro dia na CPI ele citou um fado para falar de sua tristeza) — o tango cambalacho.
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