O Globo
A ordem hoje em muitas empresas, brasileiras ou estrangeiras, instaladas no Brasil é suspender investimentos até a crise amainar. A Coca-Cola decidiu fazer o caminho oposto e anuncia, nos próximos dias, a compra de uma empresa mineiro-capixaba, a Sucos Mais. Serão R$ 110 milhões de investimento que se somam aos R$ 600 milhões que já estavam planejados para o ano. As crises podem ser uma boa chance de crescer na opinião de alguns estrategistas. Há outras empresas aumentando a aposta no Brasil.
Quando se pergunta ao presidente da Coca-Cola no Brasil, Brian Smith, se não está preocupado com a crise política, ele dá de ombros:
— Estamos há 63 anos no Brasil, a conjuntura política não nos assusta. Se temos esta oportunidade, é hora de aproveitar. Na crise do México, em 95, nós aumentamos o investimento e saímos dela com 5% mais de participação no mercado. É a melhor época quando se tem uma boa oportunidade. Pensamos a longo prazo, 10, 20 anos. Daqui a um ano, essa crise já passou — diz.
No Brasil, eles usaram a mesma estratégia em 99 e, no pior da crise de desvalorização, aumentaram os investimentos para fazer crescer sua fatia de mercado.
O grupo que vai ser comprado é um caso de sucesso rápido. Entrou no mercado de sucos prontos há três anos e já é o segundo maior. Continuará como minoritário na empresa. A Coca vai comprar 82% das ações com direito a voto e 41% do capital total.
Quem está no Brasil há mais de meio século já viu tudo: suicídio, renúncia, golpe, impeachment, ditadura. O que realmente preocupa a empresa americana é a informalidade da economia, que tira deles capacidade de competição com alguns concorrentes.
— Isso é que realmente preocupa, mas a solução tem sido aumentar a oferta de produtos. Em 2000, só tínhamos três tipos de embalagem, agora são 18 e isso cobre vários níveis de preços. Voltamos às embalagens de vidro por razões ambientais e de preço. Como são retornáveis, o produto fica mais barato — conta o diretor de comunicação Marco Simões.
A Coca-Cola tem, pelo menos, um bom número para sustentar sua idéia de que é hora de aumentar, e não diminuir, o investimento:
— No segundo trimestre deste ano, o Brasil foi o segundo país do mundo onde o consumo mais cresceu. Na China, cresceu 22%; no Brasil, 17%. E o Brasil é o terceiro maior mercado para nós, depois dos Estados Unidos e do México — disse Brian.
Desde o Plano Real, o Brasil enfrentou quatro crises externas, duas disparadas do câmbio, uma crise bancária e diversos escândalos. De lá para cá, o mercado de refrigerantes dobrou de tamanho. O brasileiro bebia 6 bilhões de litros de refrigerantes por ano, hoje bebe 12 bilhões de litros. Essa crise é pior que as outras, de evolução mais imprevisível e mais generalizada, mesmo assim um dia vai acabar e o Brasil continuará sendo um bom mercado. Várias outras empresas estão pensando dessa forma, tanto que, neste primeiro semestre, o Investimento Direto Estrangeiro chegou a quase US$ 8 bilhões; 49% superior ao do mesmo período de 2004. Desses, 47,5% foram para indústrias e 21,2%, ou US$ 1,642 bilhão, especificamente para as indústrias de alimentos e bebidas. Uma parcela grande, cerca de US$ 600 milhões, foi da finalização da compra da AmBev. Correios e telecomunicações ficaram com 13,6% do total dos investimentos.
Há outros investimentos acontecendo. O Banco Privado Português fechou, há duas semanas, um negócio com a espanhola OHL, que é hoje a terceira no Brasil em concessão de estradas. A companhia espanhola decidiu abrir 40% do seu capital e o banco adquiriu 5% do total da empresa, num investimento de 22 milhões de euros. O BPP já estava analisando o setor desde o início do ano e não levou em conta a turbulenta conjuntura política na hora de fechar o negócio.
— Em absoluto. Em momento algum pensamos nisso; nem aqui nem em Portugal. Estamos vivendo um cenário que não gostaria de viver, mas nosso pensamento tem que ser a médio e longo prazo. As bases econômicas têm se mostrado fortes — disse o representante do grupo no Brasil, Waldick Jatobá.
Além da OHL, o BPP também está investindo no Brasil — junto com outros grupos — num complexo turístico de US$ 240 milhões no Ceará. O banco tem ainda 120 milhões de euros para investimentos na Europa e no Brasil nos próximos 2, 3 anos. Aqui, estão de olho em oportunidades em energia, linhas de transmissão. A Telefônica é outra: eles programaram investir R$ 2,7 bilhões este ano; R$ 1,7 bi na telefonia fixa e o restante na celular. Até agora, na fixa, já foram R$ 587 milhões; mais R$ 1,1 bilhão será investido até o fim do ano.
No mundo dos negócios, é preciso cabeça fria, principalmente em turbulências como esta. Os dados mostram que, no Brasil, o mercado de consumo tem crescido consistentemente ao longo das últimas décadas, mesmo naquelas que os mais pessimistas costumam chamar de perdidas. Mas é impossível negar que esta crise pegou todos de surpresa. A avaliação que vinha sendo feita pelos grandes grupos internacionais com negócios no país era que, após a transição do governo Fernando Henrique para o governo Lula, havia se reduzido fortemente o risco político. Infelizmente era cedo demais para comemorar. Mas algumas empresas estão com a estratégia de crescer na crise. Oxalá outras sigam o exemplo.
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