Folha de S Paulo
À medida que os acontecimentos se precipitam, a gente se pergunta onde vai parar tudo isso, qual será o desfecho da crise.
Nas rodas de discussão, as opiniões são divergentes, embora quase todos concordem em que o governo Lula entrou num caminho sem volta.
Até o momento em que escrevo esta crônica, eram motivo de discussão os últimos pronunciamentos do presidente da República, todos dirigidos a um público de trabalhadores e sindicalistas. Nesses pronunciamentos, Lula buscava apresentar-se como vítima de um movimento golpista da "elite", que não suportaria termos no Brasil um presidente oriundo da classe operária. Noutra ocasião, afirmou que ainda está para nascer alguém neste país capaz de lhe dar lições de ética.
Duas coisas chamaram a atenção nesses pronunciamentos: o fato de serem feitos para sindicalistas e a natureza mesma do que foi dito. Apresentar-se como vítima da "elite" deixa claro o propósito de ocultar as verdadeiras razões da crise (corrupção no PT e no governo) para recuperar e manter a simpatia dos "explorados" e dos "injustiçados", dos que hipoteticamente constituem sua base de massa. Proclamar-se acima de qualquer suspeita, sem que até aqui ninguém o tenha apontado como corrupto, causa espécie.
Espero não exagerar se vejo em tais atitudes de Lula os indícios de alguém que se sente encurralado ou que já antevê acusações efetivas capazes de comprometer sua autoridade de chefe de Estado.
Ao que tudo indica, essas acusações virão. A cada dia, torna-se mais e mais insustentável a tese de que o presidente Lula de nada sabia e que, portanto, nenhuma responsabilidade tem no que fizeram os dirigentes de seu partido e altos funcionários de seu governo. Com freqüência, Lula tem feito questão de afirmar que o PT é uma coisa e o governo é outra, inteiramente desvinculados um do outro. Difícil acreditar nisso quando foi ele quem de fato determinou o afastamento dos membros da direção do PT e fez uma intervenção no partido, pondo, no lugar daqueles, homens de sua estrita confiança que eram ministros em seu governo. A ligação entre Lula e o PT é indisfarçável e, portanto, a progressiva revelação dos procedimentos criminosos que envolvem os altos escalões do partido terminará por comprometer a autoridade do presidente da República.
Torna-se claro, a cada dia, que os objetivos petistas iam além da compra de parlamentares para assegurar a maioria governamental no Congresso. Ao que tudo indica, criara-se um sistema de poder, apoiado na ocupação de cargos de decisão em entidades públicas de grande peso na vida econômica e social do país. Uma espécie de poder econômico sindical-partidário estava sendo montado com o propósito de manter o controle político pela troca de favores e o tráfico de influências junto a empresas privadas, bem como a compra de parlamentares corruptos. Com isso, assegurava-se ao governo (e ao partido) a hegemonia necessária para dar à sua administração o rumo que quisesse, neutralizando a ação da minoria, que ficaria clamando no vazio. Em face de semelhante esquema, a res publica estaria relegada a plano secundário, e o próprio regime democrático, aviltado e comprometido em sua essência. É essa tentativa de assalto às instituições republicanas que desmorona agora diante de nossos olhos.
Espero não estar exagerando nem vendo chifres em cabeça de cavalo. Mas talvez valha a pena buscar as causas profundas dessa hipotética intenção da ala dominante do PT. O socialismo -o sonho da revolução que abriria caminho para a sociedade fraterna e igualitária- foi a utopia que incendiou a imaginação de homens generosos desde a segunda metade do século 19 até o final do século 20. E não se restringiu a sonho, mas materializou-se na construção de um Estado e fez avançar as conquistas sociais dos trabalhadores de uma grande parte do mundo. Não resta dúvida de que a sociedade humana não foi mais a mesma antes e depois da revolução de 1917. A derrocada do sistema comunista levou os socialistas responsáveis e sensatos a buscar alternativas viáveis para a consecução de seus objetivos. Há, porém, os que se valem daqueles ideais como instrumento anacrônico e demagógico para chegar ao poder e trocar a revolução pela corrupção, como ocorreu com o PT.
Isso pode significar, em termos nacionais e mesmo internacionais, a conclusão de uma etapa. Do mesmo modo que a vitória de Lula foi saudada por certa esquerda européia como um renascer da revolução socialista, a crise atual está levando-a a rever suas opiniões. No Brasil, certamente, a derrocada petista assinalará o fim de uma ilusão: se é imprescindível sonhar com a sociedade igualitária para chegar a ela, é igualmente necessário não perder a noção de realidade e saber avaliar os fatores objetivos que estão em jogo.
Mas, no final das contas, qual o desfecho da crise?
Há quem fale em impeachment e há quem fale em renúncia. Quanto ao impedimento de Lula, duvido que este Congresso, envolvido em corrupção, tenha autoridade para efetivá-lo, o que enfraquece a hipótese da renúncia. Na minha modesta opinião, Lula, desgastado, governará até o fim de seu mandato, primeiro e único.
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