Assim que começaram a atingir em cheio o sistema partidário as evidências de uso maciço de contribuições ilícitas para o financiamento de campanhas eleitorais, extraídas, algumas, dos cofres públicos e entrelaçadas com evidentes esquemas de lavagem de dinheiro – sempre sob o comando do mestre-operador Marcos Valério e com a prestimosa colaboração dos bancos de que é cliente especialíssimo –, os políticos, em geral, uniram-se numa mesma reação de zelo cívico, subitamente aflitos com os efeitos das investigações de corrupção sobre a chamada governabilidade e a atividade econômica. Subitamente também, documentos apreendidos pela Polícia Federal em um depósito do Banco Rural em Minas Gerais, equiparados a "pólvora pura" pelo relator da CPI dos Correios, deputado Osmar Serraglio, "deram chabu". Enquanto isso, o presidente da comissão, senador Delcídio Amaral, em seguida a um encontro noturno com o ex-ministro José Dirceu – marcado assim que dona Renilda incriminou o ex-ministro em seu depoimento –, adiou a votação sobre a sua convocação para depor e, em conseqüência, adiou também a decisão sobre o eventual depoimento do senador, presidente do PSDB e ex-governador mineiro Eduardo Azeredo, outro suspeito de ter se beneficiado de recursos de caixa 2 na campanha de 1998. Ao mesmo tempo, o deputado Valdemar Costa Neto, presidente do PL, sondava a possibilidade regimental de desistir, no Conselho de Ética da Câmara, do pedido de cassação do mandato do seu inimigo Roberto Jefferson, que o havia denunciado como um dos receptores do mensalão, ao lado de dirigentes do PP do deputado Severino Cavalcanti, dando início a um amplo "leite de pato" no jogo das cassações. Nesse quadro, veio a público que o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), o ex-senador Nelson Jobim, de quem se diz que gostaria de disputar o Planalto pelo PMDB em 2006, teria saído a advertir os líderes da oposição de que um eventual pedido de impeachment do presidente Lula poderia instaurar um clima de radicalização e violência no País. A manifestação de Jobim é especialmente inquietante. Primeiro, porque não cabe ao presidente do Supremo fazer política, por melhores que possam ser as suas intenções. Magistrados, repita-se à exaustão, só devem falar nos autos dos processos que lhes cabe julgar. Segundo, porque, embora se multipliquem os sinais de que a oposição não deseja – e não tem por que desejar – a destituição de Lula, é inconcebível que ele seja contemplado com a garantia prévia de impunidade proposta pelo ministro Jobim, sob o argumento ad terrorem de que, impedido o presidente, "quem for eleito depois não terá condições de governar o País". Terceiro, porque, na hipótese virtualmente descartada de que fatos novos e devastadores justifiquem uma ação contra Lula no Senado, o processo será presidido pelo próprio titular do STF. Por interpostas pessoas, ele teria aconselhado Lula a adotar um tom mais moderado do que no último fim de semana, quando, em três discursos às suas bases, assumiu tons chavistas ao dizer que as elites querem que ele baixe a cabeça – o que fez baixar sobre os mercados, isso sim, um clima de nervosismo como não se via desde 2002. E, de fato, anteontem Lula, mudando subitamente de tática, pela primeira vez sustentou que a economia deve ser insulada da crise política, por ser ainda "muito vulnerável" e sujeita a um retrocesso que levaria "anos e anos" para ser recuperado. Mas, de novo, as contas não fecham: os mercados só acusaram um golpe da crise por culpa do destampatório do presidente, voltando à calma já na terça-feira. A economia segue o seu curso e vai muito bem obrigado. Se o mesmo não se pode dizer do governo em geral, a causa é anterior à eclosão do escândalo nos Correios e das denúncias do mensalão. Reside fundamentalmente, como se sabe, na inaptidão de Lula para administrar e liderar. Se, a partir do que propôs o respeitado senador Jefferson Peres (PDT), ensaia-se um acordo suprapartidário para fazer o governo governar e o Legislativo legislar, a fim de fortalecer os alicerces da economia, tanto melhor. Mas esse pacto não pode servir de biombo para a conspiração das elites políticas – a única que se vislumbra – visando a esfriar as apurações e restringir as punições. Além do que, governo e Congresso ativos são perfeitamente compatíveis com as investigações rigorosas que a opinião pública não desistirá de exigir.
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