Folha de S Paulo
Uma crise política aguda repercute mais cedo ou mais tarde sobre a vida econômica. A noção de que a economia brasileira estaria absolutamente imune à sucessão de escândalos não resistiu aos fatos. Nesse sentido, tem razão o presidente Lula em admitir que a economia é vulnerável. Mas é inegável que há anticorpos do organismo econômico que atenuam os efeitos da crise, pelo menos no curto prazo.
No passado, as crises políticas eram imediatamente percebidas na esfera econômica por duas razões. Em primeiro lugar, seus efeitos apareciam nos indicadores de curto prazo. Assim, uma declaração de um governador de que seu Estado não honraria a dívida era capaz de elevar rapidamente o dólar e derrubar a Bolsa. Em segundo lugar, a política econômica era passível de mudança com mais facilidade do que na atualidade. A orientação das políticas monetária e fiscal poderia ser radicalmente alterada com uma mera troca de ministro.
As circunstâncias mudaram. Apesar do nervosismo dos últimos dias, os efeitos da política sobre indicadores de curto prazo têm sido atenuados. Isso se deve a duas razões. A principal delas é a enorme liquidez internacional. Com tantos recursos disponíveis no mercado mundial, a paciência dos investidores com as crises nacionais tende ao infinito. Novos escândalos podem provocar oscilação no valor do dólar e no prêmio de risco, mas de maneira efêmera. O dólar subiu 2,67% na segunda-feira, para fechar ontem a R$ 2,380, praticamente no mesmo nível da sexta-feira anterior (R$ 2,376).
Os sinais de contaminação aparecem na elaboração de cenários. Antes da enxurrada de escândalos a partir de meados de maio, ninguém cogitaria uma crise institucional. Atualmente, a árvore de possibilidades dos estrategistas inclui tal hipótese sob a forma de impeachment ou de antecipação das eleições em todos os níveis. É óbvio que a probabilidade de eventos dessa natureza é reduzida, algo inferior a 5%. Mas a mera possibilidade de ocorrência constitui fonte de ruído e dá margem a ações especulativas. Foi o que aconteceu na última segunda-feira.
Felizmente, os tremores não têm se transformado em tsunamis. Há um conjunto de estabilizadores automáticos que explicam tal fenômeno. Tome-se, por exemplo, o preço do dólar. A grande liquidez internacional limita seu aumento. A hipótese de uma elevação na taxa de câmbio melhora a perspectiva das exportações e, conseqüentemente, dos resultados do saldo comercial.
Por sua vez, a subida do dólar não preocupa tanto em termos de inflação. Os índices de preços estão mais bem-comportados ou, na linguagem tecnocrática da ata do Copom, divulgada na última quinta-feira, no melhor estilo do copomês, "vai-se configurando, de maneira mais definida, um cenário benigno para a evolução da inflação". O IGP-M de julho registrou deflação, com uma taxa negativa -0,3%.
Além disso, em contraste com a situação de 2002, a dívida pública é hoje menos sensível à variação da taxa de câmbio. A parcela da dívida interna indexada ao dólar é atualmente de 4%, contra 30% em 2001 e 34% em 2002. Por seu turno, é positiva a intenção do secretário do Tesouro de reduzir em US$ 2,8 bilhões o estoque da dívida externa nos próximos dois anos.
O fato de a crise política não ter efeito tão dramático no curto prazo não diminui seu impacto nocivo sobre o desenvolvimento do país. A contaminação da economia se tornou menos visível nos indicadores do mercado, mas afeta os investimentos e, conseqüentemente, o crescimento.
As inversões produtivas já vinham sendo inibidas pela revisão para baixo das expectativas de crescimento nos últimos dois trimestres, pela crônica indefinição de regras e lentidão na tomada de decisões fundamentais para a infra-estrutura e pela dose exagerada de elevação da taxa de juros. A crise política vem se somar a tais fatores negativos, constituindo de longe a pior fonte de incerteza. Tal fato diminui as chances de retomada de crescimento sustentado nos próximos dois anos. Nesse ponto reside a vulnerabilidade da economia brasileira.
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